MBS: O ambicioso e carismático vencedor do jogo de tronos saudita

O primeiro príncipe moderno na Arábia Saudita é também o que reúne mais poder desde sempre na monarquia. Quer mudar tudo, quer fazê-lo agora. E gostaria que os EUA se envolvessem num conflito militar com o Irão.

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MBS será o mais jovem rei de sempre na monarquia saudita Charles Platiau/Reuters

Dois anos e meio absolutamente frenéticos num reino que sempre se quis sereno culminaram, em Junho, na promoção de Mohammed bin Salman a sucessor directo do pai, o rei Salman. MBS, como é conhecido na Arábia Saudita, será o próximo rei de uma das últimas monarquias absolutas do mundo. O Irão, que o príncipe acusa de “tentar controlar o mundo islâmico” (promete, se necessário, “levar a guerra ao centro” do país), descreveu a mudança na linha de sucessão como “um golpe branco” (soft coup).

Há quatro décadas que o reino dos santuários do islão disputa a hegemonia política regional com o Irão e vê na potência xiita o grande rival. Pouco depois da revolução de 1979, que transformou a histórica Pérsia numa teocracia, Riad ensaiou uma aliança árabe sunita (Conselho de Cooperação do Golfo) precisamente para tentar limitar a influência iraniana. E nos últimos anos, enquanto a Administração Obama negociava com Teerão um acordo nuclear que ditaria o fim do seu estatuto de pária e das sanções que asfixiavam os iranianos, toda a política externa saudita visou conter o Irão.

MBS recebe o título de príncipe herdeiro depois de dois anos e meio como ministro da Defesa, cargo que o pai lhe entregou assim que chegou ao trono, quando o jovem tinha 29 anos. Desde então, a Arábia Saudita assumiu uma atitude assertiva e agressiva como nunca: foi MBS que esteve por trás da intervenção no Iémen, uma acção desastrosa que tornou uma guerra civil num conflito regional, oficialmente para combater os rebeldes apoiados pelo Irão. Foi também ele o grande promotor da actual crise com o Qatar, país aliado a que Riad impôs um bloqueio para o forçar a desistir das relações com Irão e com a Turquia (outro rival) e a encerrar a sempre incómoda televisão pan-árabe Al-Jazira. Como se a guerra síria e a violência no Iraque, para além do descalabro iemenita, na fronteira Sul do país, não fossem suficientes para ocupar Riad.

A postura impressa por MBS é, em parte, a resposta às revoltas árabes dos últimos anos, vaga de protestos que beliscou sem fazer estremecer a monarquia. Mas é também o esforço necessário para garantir a sobrevivência do reino onde o extremismo da doutrina ortodoxa wahhabita é lei, o país que quer ser âncora numa zona do mundo em acelerado processo de desagregação.

Agora, aos 31, MBS prepara-se para ser o mais jovem rei de sempre, na primeira sucessão geracional na monarquia em 64 anos. Ambicioso, demasiado segundo os detractores, “é muito agressivo na defesa da segurança e soberania do país” e “quer torná-lo autónomo e independente da América”, diz Bernard Haykel, professor de Estudos do Médio Oriente na Universidade de Princeton. Mas apesar do enorme orçamento militar (um dos maiores do mundo) de que dispõe, MBS sabe que este “não passa de um desejo”.

A Casa Branca, garante Haykel, não foi tida nem achada nesta alteração que afastou da sucessão e retirou todos os cargos ao antigo herdeiro, Mohammed bin Nayef, sobrinho do rei, “o saudita preferido de Washington”. “A equipa de [Donald] Trump foi apanhada de surpresa pelo anúncio mas deu as boas-vindas ao novo príncipe herdeiro”, diz, por seu turno, Bruce Riedel, analista do think tank Brookings Institution e do Center for Middle East Policy, depois de 30 anos ao serviço da CIA. A liderança saudita, nota Riedel, “está contente por ter um parceiro americano que não apoia reformas políticas ou de igualdade de género”.

Se MBS for bem-sucedido, pode já estar em curso uma profunda alteração dos termos de uma aliança antiga, aquela que foi forjada em 1945 a bordo do USS Quincy, quando o Presidente Roosevelt e o rei Abdul Aziz trocaram, em segredo, garantias de segurança militar por acesso seguro a petróleo. Aqui, a mudança será mesmo lenta e nunca assumida. Afinal, foi MBS que jantou com Trump na Casa Branca em Março, abrindo caminho à visita do Presidente americano a Riad, onde este fez questão de descrever os sauditas como aliados fundamentais no combate ao terrorismo e ao extremismo.

Um Estado insustentável

O salto geracional começava a tornar-se inevitável. Quando subiu ao trono, Salman nomeou um dos seus irmãos, Muqrin, como príncipe herdeiro, e o sobrinho Bin Nayef como segundo na linha de sucessão. Três meses depois, bastaram alguns decretos para afastar Muqrin, fazer subir Nayef e colocar o seu filho favorito, até então quase desconhecido, no seu lugar. Nunca um filho do fundador, Abdul Aziz, tinha sido afastado – ao fazê-lo, o rei fortaleceu a chamada linha dura, os mais radicais e anti-reformistas entre os Al-Saud, ao mesmo tempo que reforçava o controlo do ramo dos Sudairi (o grupo de seis irmãos do rei Fahd, monarca que mais anos esteve no trono, o maior clã da família).

Agora, explica Haykel, a sucessão vertical (em vez de horizontal) só é possível porque a maioria dos príncipes da segunda geração de monarcas “está velha, morta ou incapacitada”. O próprio rei tem 81 anos e especula-se que poderá abdicar em vida. Haykel duvida, a não ser em caso de incapacidade mental; Riedel lembra que “o processo de sucessão está incompleto já que não foi nomeado nenhum vice-príncipe herdeiro [como tem acontecido]” e diz que “até isso acontecer é pouco provável que o rei Salman abdique”.

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Certo é que MBS já tem um poder nunca antes concentrado num príncipe saudita: para além de ministro da Defesa, chefia o Conselho da Economia e do Desenvolvimento e é autor de uma ambiciosa reforma económica que visa acabar com a dependência do país face ao petróleo até 2030 e que gere ainda as políticas de Educação e Saúde, e é presidente do conselho de administração da petrolífera estatal, a Aramco, tendo planos para a sua privatização parcial.

MBS vai chegar ao trono num país rodeado no centro de todas as crises no preciso momento em que a economia do reino se tornou insustentável. “A ‘Visão 2030’ [nome da grande reforma promovida por MBS] é um reconhecimento corajoso de que o Estado social saudita é insustentável com os baixos preços do petróleo”, descreve Riedel. “As propostas do príncipe herdeiro não são suficientemente ambiciosas mas são um passo na transição necessária”, acrescenta.

O problema, nota o analista, é que “para ser bem-sucedido MBS terá de cortar drasticamente nos gastos militares, o que implica uma política externa mais flexível e uma abordagem regional mais moderada, o que significa um revés abrupto para o jovem príncipe”. Tudo aquilo em que MBS não parece preparado para ceder.

“Mas com o Irão, como é que comunicamos? A lógica deles [xiitas] baseia-se na noção de que o imã Mahdi vai chegar e que devem preparar um ambiente fértil para a sua vinda e devem controlar o mundo muçulmano. Eles privaram o seu próprio povo de desenvolvimento por mais de 30 anos e fizeram-nos passar fome”, afirmou, numa das suas habituais intervenções televisivas, em Maio.

Uma nova época

MBS descreve o Irão como país das trevas por oposição à sua Arábia Saudita; não a actual, que ele sabe não ser muito diferente, mas a que diz desejar. “Sou jovem. Setenta por cento dos nossos cidadãos são jovens”, disse numa entrevista ao Washington Post em que sugeriu lamentar o excesso de poder da polícia religiosa no reino. Não se espera dele que quebre o equilíbrio entre os Al-Saud e os líderes religiosos que fez deste território um país, apenas que aligeire algumas regras sociais e ofereça aos sauditas oxigénio e diversão. O próximo rei vai querer os súbditos “entretidos”, estimam diferentes observadores, até para os distrair das dificuldades económicas.

“Não queremos passar o resto das nossas vidas como nos últimos 30 anos. Queremos pôr fim a esta época agora”, afirmou ao Post. “Enquanto sauditas, queremos usufruir dos próximos tempos e concentrarmo-nos em desenvolver a nossa sociedade e nós mesmos como indivíduos e famílias, mantendo ao mesmo tempo a nossa religião e os nossos costumes.”

O príncipe quer tudo e isso ainda é pouco. No reino e mesmo no seio dos Al-Saud, “a sua inábil gestão da guerra no Iémen não é popular e a maioria considera-o arrogante”, diz Riedel. A sucessão foi apresentada como tranquila, mas sabe-se que nem todos estiveram de acordo (o New York Times escreve que desde que foi afastado Nayef está confinado ao seu palácio, em Jidá, para limitar a oposição ao novo herdeiro).

Alguns líderes na Europa estão preocupados com a falta de experiência do príncipe e com a sua atitude e retórica bélica. Ao contrário dos reis anteriores, que chegaram ao trono depois dos 60 anos, este vai provavelmente governar durante décadas e há dirigentes ocidentais que ainda não sabem se podem confiar nele. Esperava-se alguma diplomacia silenciosa e menos agressividade nas palavras e nos actos.

Toque de político

Haykel acredita que MBS é “mais realista e pragmático do que parece”, não “é ideológico, não é radical nem extremista”, é “um político que procura soluções para os problemas”. Ainda que às vezes essas soluções lhe pareçam impossíveis: “O modelo económico dele é Singapura, quer equilibrar isso com um sistema político autoritário”. O analista dá-lhe muito crédito por ter “vencido a enorme competição que se viveu dentro da família real, afastando centenas de primos, muitos mais velhos e experientes”. Fazê-lo, diz, só é possível “com muita competência”.

Com um perfil público e seguidores nas redes sociais, MBS é um príncipe moderno como nenhum outro até aqui no reino. “É muito carismático e é um verdadeiro político”, diz Haykel. “Tem aquele toque de político, faz-nos sentir no centro do universo quando fala connosco”.

Popular entre os jovens sauditas, assusta todos os outros que temem vê-lo pôr em causa os muitos equilíbrios que mantêm a Arábia Saudita unida. Na região, aplaude-se alguém que quer liderar mas receia-se que MBS contribua para mais polarização e fragmentação.

No fundo, “o que a Arábia Saudita, tal como Israel, gostaria era de ver os Estados Unidos envolvidos num confronto militar com o Irão”, diz Haykel. “Espero que isso não aconteça, espero que a Administração Trump seja mais esperta do que isso.” Pondo de lado esse cenário, o analista não vê nenhuma solução a curto prazo para a estabilidade na região.

Haykel defende que MBS sabe que um dia terá de conversar com o Irão, quer é fazê-lo em posição de força. De momento quem olha de cima é mesmo Teerão. Para pôr fim à escalada nas tensões seria preciso um mediador, um papel que só os EUA poderiam desempenhar. Ora isso é algo que o académico não espera da “actual Administração, muito anti-Irão e contente por ver alguns dos seus aliados árabes numa frente unida contra Teerão”.

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