Mal-empregado

Já é uma sorte ter calhado num restaurante onde os pormenores de cada acompanhamento não vêm histericamente escarrapachados na ementa.

Quando colidem duas simpatias o resultado pode ser luminoso. Num restaurante de Lisboa, apesar da multidão, da pressa e do calor, um empregado de mesa pergunta a uma senhora se, para além das batatas cozidas e da salada, quer umas verduras.

"Não, muito obrigada, deixe estar", diz a senhora. O empregado, tal como eu a observá-los e a tentar fazer um apontamento sem dar nas vistas, interpreta "deixe estar" como "até me apetece mas não quero dar maçada, agradeço na mesma".

Sabe bem ouvir esta troca de mimos na época actual do "vem com quê?". Já é uma sorte ter calhado num restaurante onde os pormenores de cada acompanhamento não vêm histericamente escarrapachados na ementa, em caracteres bocejantes de tão hipstergráficos.

O empregado traz uma travessa com as verduras: "Chegaram hoje." A senhora fica envergonhada, como se a oferenda fosse excessiva: "Ai, já não tenho apetite, obrigada." "Fica aqui", diz ele, contente com a iniciativa. "Não...", protesta ela. "Então, quer que leve?", pergunta ele. "Sim", explica ela, "é que é mal-empregado...".

O bom empregado acha a expressão bem empregada porque diz "há muitos anos que não ouço dizer isso". E a senhora sorri.

Nisto, intervém o senhor que está a almoçar com ela e que ainda não disse nada: "Tanta conversa, tanta conversa!" Puxa pelos brócolos, serve-se como um herói, tempera com brio e desata a mastigá-los.

Será ciúme? Será concordância? Será para empregar bem, de uma vez por todas, aquelas verduras tão discutidas? Ela aprova.

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