Porque devem os portugueses querer uma Europa unida?

Apesar de atualmente o foco ser económico e social, há 60 anos que esta União serve, como um todo, um propósito maior – a paz.

A recente onda de instabilidade económica e política provoca dúvidas sobre o futuro. Como enfrentar os estragos da crise financeira, as migrações, os ataques e ameaças terroristas, os movimentos populistas que têm surgido pelo mundo e o crescimento rápido das economias emergentes que as aproxima das economias ocidentais?

De acordo com o Livro Branco sobre o Futuro da Europa (2017), que reflete sobre a competitividade e influência da Europa no futuro, a única forma de preservarmos a nossa atual posição no contexto internacional é através da cooperação entre países. A União Europeia representa uma das maiores economias mundiais e tem por isso grande poder de decisão e negociação na coordenação económica entre países a nível mundial. No entanto, esta cooperação foi recentemente desafiada pelo Brexit, que gerou alguma incerteza sobre a permanência de cada um dos Estados-Membros na União Europeia. Perante estes momentos de incerteza, devemos recuar no tempo e relembrar os objetivos primordiais da União Europeia.

Há 60 anos foi assinado o Tratado de Roma. Após um intenso período de guerra que destruiu a Europa, este tratado marcou o início de um período de paz. Partindo da Comunidade Económica do Carvão e do Aço que, através da livre circulação de carvão e aço entre a Alemanha Ocidental, França, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, impedia o início de uma nova guerra e promovia o desenvolvimento industrial, estes países uniram-se ainda sob um mercado comum e uma união aduaneira, fundando a Comunidade Económica Europeia.

Com o passar do tempo, os restantes países europeus, à medida que se foram libertando dos regimes ditatoriais previamente instaurados, foram abraçando o projeto europeu, intrínseco à vontade de uma Europa livre e unida, culminando naquilo que hoje é a União Europeia.

Em Portugal, a adesão à União Europeia permitiu-nos consolidar a frágil democracia instituída pelo 25 de Abril, abrindo portas a uma nova era de modernização económica. O acesso ao mercado livre facilitou as trocas comerciais com os outros países europeus e os fundos recebidos (na ordem dos 8 milhões de euros por dia) visaram promover investimentos a nível estrutural e um crescente desenvolvimento social.

O passo seguinte de integração, a adesão ao Euro, permitiu o acesso a financiamentos com taxas de juro mais baixas, devido à maior credibilidade e estabilidade da Zona Euro comparativamente à estabilidade individual da economia Portuguesa.

As dificuldades surgiram após a crise financeira mundial, em 2008. Com as sucessivas falências, instituições bancárias com dificuldades, altos níveis de desemprego e mercados cada vez mais avessos ao risco, Portugal entrou numa crise severa que, em 2011, levou à necessidade de implementação de um programa de assistência financeira.

Neste contexto, a permanência na Zona Euro permitiu a Portugal aceder aos mercados financeiros e receber fundos para impulsionar a economia. Partindo deste ponto, apenas mais integração europeia, ou seja, maior adoção de políticas comuns entre países europeus, permitirá a Portugal atingir um crescimento sustentável e de longo prazo, contrariando os ciclos políticos. A convergência entre países necessária à integração, fornece a estrutura de suporte e o incentivo para aplicar as reformas estruturais que foram sendo adiadas. Por esta razão, Portugal deve usar os fundos estruturais e de coesão que lhe são dados a fundo perdido para executar as recomendações da Comissão Europeia e progredir na convergência.

Apesar de as vantagens do apoio à cooperação europeia serem claras no contexto português, há uma onda de descontentamento nos restantes países europeus. Ainda que a integração europeia tenha sido, por vezes, apressada pela impaciência por uma maior identidade europeia e não por circunstâncias favoráveis, como por exemplo a moeda única, houve sempre ganhos e perdas para todos os países em prol de uma união comum. Trocámos a autonomia da política monetária por uma maior credibilidade da economia portuguesa. Abdicámos do controlo de fronteiras e das barreiras protecionistas ao comércio em troca de um mercado livre e maior desenvolvimento económico. Contudo, acrescendo às divergências evidenciadas pela crise financeira, os ataques e ameaças terroristas e os fluxos migratórios despoletados pela guerra civil da Síria deixaram vários países relutantes a abdicar da autonomia no controlo de fronteiras. Esta divergência pode ameaçar o projeto europeu e, como tal, devemos relembrar que o maior ganho da União Europeia (e aquele que devemos preservar acima de tudo) foi a resolução de conflitos pela lei e não pela força.

Concluindo, apesar de atualmente o foco ser económico e social, há 60 anos que esta União serve, como um todo, um propósito maior – a paz. Esta deve ser acarinhada e mantida, independentemente dos atritos provocados pelas divergências económicas, sociais e políticas.

Artigo escrito segundo o novo Acordo Ortográfico

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