Europa tenta evitar divisões no debate sobre o seu futuro

Com os cinco cenários de Juncker à mesa e o regresso das “várias velocidades”, os líderes europeus não querem manchar as celebrações dos 60 anos da integração europeia. Também vão escolher o sucessor de Donald Tusk que deve ser... Donald Tusk.

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A ideia de uma Europa a duas velocidades, um dos cenários propostos por Juncker, fez soar os alarmes em várias capitais KAI PFAFFENBACH/REUTERS

Os líderes europeus reúnem-se estas quinta e sexta-feira, em Bruxelas, com o debate sobre o futuro, incerto, da União Europeia como pano de fundo, entre profundas dúvidas existenciais e divisões políticas.  

Despachados os habituais assuntos económicos e questões externas, os líderes europeus reúnem-se esta sexta-feira, no seu também já habitual encontro informal a 27 sem Theresa May, para tratar do futuro da Europa depois do "Brexit". Mas não se esperam grandes conclusões. Trata-se sobretudo de desbravar caminho. O grande objectivo é manter a aparência de unidade, havendo o risco de os Estados-membros se dividirem entre partidários de uma Europa a várias velocidades e os que se opõem a este modelo. É uma discussão, já antiga, que pode reavivar velhas divisões entre a Europa ocidental e a de leste.

Os chefes de Estado e de governo europeus deverão avançar nos preparativos das celebrações dos 60 anos do Tratado de Roma, que terão lugar a 25 de Março na capital italiana, e da declaração que vão aprovar nessa altura, reafirmando o seu compromisso com o projecto europeu. Segundo fontes comunitárias, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, considera que a “mensagem-chave” a sair de Roma deve ser de “unidade” entre os 27 e não de uma “Europa a várias velocidades” que pode constituir um “sinal de alarme” para alguns países.

A declaração a aprovar em Roma deverá ser “concisa, declarativa e celebrativa”, reafirmando “os valores, os fundamentos e o nível de ambição” da UE, segundo outras fontes. Por enquanto, parece cada vez mais improvável que inclua algum tipo de referência ao actual debate sobre uma Europa de geometria variável.

Para além da festa comemorativa do tratado, os 27 pretendem que Roma seja também um momento de reflexão e de unidade que crie as condições de confiança mútua necessárias para olhar para o futuro. Mas, mais tarde ou mais cedo, os líderes terão de clarificar as suas posições sobre que tipo de projecto europeu pretendem construir a 27 na próxima década.

Os cinco cenários de Juncker

O objectivo é obter as primeiras conclusões até ao final do ano, no Conselho Europeu de Dezembro, de forma a encontrar um consenso a tempo das eleições europeias de Junho de 2019. Para este debate existencial, os 27 receberam na semana passada o contributo da Comissão Europeia. O presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, apresentou cinco cenários possíveis, não tomando partido por nenhum, obrigando os líderes a assumirem as suas responsabilidades e, consequentemente, as suas escolhas. As opções são: manter a UE tal como está, numa espécie de navegação à vista; reduzir a Europa a um mercado interno e pouco mais; construir uma Europa a várias velocidades, permitindo aos que quiserem avançar mais depressa em determinadas áreas que o possam fazer; uma UE que faz menos mas de forma mais eficaz; e, finalmente, os 27 juntos fazerem mais em comum. Esta última opção é a mais ambiciosa. 

O actual núcleo duro dos maiores países – Alemanha, França, Itália e Espanha – manifestou-se já no início desta semana a favor de uma Europa a várias velocidades. Numa cimeira em Versalhes, os líderes das quatro maiores economias europeias (sem o Reino Unido, que está de saída) defenderam uma posição comum sublinhando a necessidade de formas de cooperação que permitam que os países possam, se assim o pretenderem, acelerar a sua integração em matérias como a defesa, a união económica e monetária ou a harmonização fiscal. Também a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo se inclinam para uma Europa a duas velocidades. Já Portugal admite sentir-se confortável com as várias velocidades, mas quer esclarecimentos sobre as condições em que elas podem ser lançadas. O seu ponto de partida continua a ser, como no passado, manter-se sempre na primeira linha.

O Leste torce o nariz

Mas a ideia de ter grupos de países que avançam a ritmos diferentes faz soar os alarmes em várias capitais. O grupo de Visegrado, que inclui a Polónia, Hungria, República Checa e Eslováquia, já deixou claro que vê com maus olhos essa opção. Ainda que tenham algumas divergências entre si em relação à UE, estes quatro governos aparecem alinhados na recusa de partilhar algumas políticas europeias – por exemplo, no acolhimento de refugiados sírios – e receiam que o cenário das várias velocidades seja visto como “um castigo” que acabe por acelerar a desintegração do bloco comunitário.

Por outro lado, as discussões sobre o futuro da Europa começam num ambiente político de alto risco. A UE enfrenta um ciclo eleitoral que se inicia já na próxima semana com eleições na Holanda, seguindo-se as presidenciais francesas em Abril e as legislativas alemães em Setembro (a Itália ainda pode juntar-se ao grupo). Nestes quatro países é grande a probabilidade de os partidos antieuropeus e contra a imigração alcançarem bons resultados. Por isso, é de prever que os líderes europeus só consigam entender-se sobre um modelo de integração para o futuro depois de concluído este ciclo eleitoral, num contexto político que se deseja mais desanuviado, para evitar dar munições aos partidos populistas.

O processo da saída do Reino Unido também deverá influenciar os debates. O Reino Unido tem sido um aliado dos Estados-membros de leste, pelo que a sua saída obrigará estes países a um reposicionamento face à Alemanha e à França.Há ainda que ter presentes as repercussões que um inquilino imprevisível na Casa Branca terá na redefinição das políticas da União Europeia.

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