Europa e Portugal – imigração como oportunidade e não como problema

Se nos desviarmos de um discurso positivo nas matérias atinentes às migrações e ao diálogo inter-religioso, estaremos, ao arrepio da nossa tradição, a atrair problemas complexos,

Em matéria de revolta, nenhum
de nós deve necessitar de ancestrais.

A. Breton

1. Uma Europa sem valores é uma Europa sem futuro. As sociedades europeias plurais e inclusivas enveredaram por um caminho perigoso, direi até suicidário, abdicando de, quando não mesmo renegando, parte das raízes da sua civilização, como são os casos de valores personalistas e do pluralismo tolerante, próprios do humanismo cristão que está na base do conceito de Europa, tal como o entendemos. Hoje, a Europa é cada vez mais dominada, infelizmente, por um laicismo radical, muitas vezes asfixiado por um infrene materialismo consumista, e ainda por uma rejeição mais ou menos encapotada de muitos dos valores éticos e espirituais, que lhe conferiram a sua própria identidade e a distinguiram das demais civilizações e culturas no mundo. Para esta tendência muito têm contribuído alguns “líderes” políticos que estão, na maior parte dos casos, preocupados mais com eleições e também uma comunicação social parcial às vezes subjugada aos ditames do politicamente correto, bem como uma sociedade acéfala em relação aos valores e centros de interesse da vida da generalidade dos cidadãos.

2. Não sabemos se a Europa ainda está a tempo de se regenerar. Quero acreditar que sim. Mas os sinais de decadência são cada vez mais preocupantes e visíveis. Nas últimas décadas deixámo-nos dominar por uma agenda inspirada numa espécie de um marxismo cultural, apostado na desagregação da família, no abandono da religiosidade e dos valores morais, sob cujos escombros têm triunfado, paulatinamente, individualismos e egoísmos desagregadores e nefastos. A liberalização do aborto e a defesa da eutanásia, a mercantilização da maternidade, a apologia da admissibilidade da mudança de sexo em menores de idade, a descaracterização do conceito de família constituem expressivos exemplos, entre muitos outros, que se devem ter em conta. Esta Europa decadente, sem alma, sem valores e sem honra, radicalmente laica, dá sinais nestas matérias que se rende a todos quantos procuram pôr em causa a sua herança ocidental e cristã. E que ao mesmo tempo se fecha e se enche de soberba para o que vem de fora.

3. Os paralelos entre a Europa tíbia, enfraquecida e hedonista e o declínio do império romano do Ocidente são evidentes e mesmo interessantes para os estudiosos do fenómeno político. Mas, para um europeu e lusófono que acredita que a geração presente mais não é do que um elo entre gerações passadas e as futuras, trata-se de um retorno simplesmente aterrador. E tal acontece ao mesmo tempo que parece soçobrar a vontade da defesa de valores inegociáveis, quando o continente europeu se vê confrontado com ondas migratórias de larga dimensão, com Estados a abdicarem de aplicar as regras que o direito internacional fixa para essas realidades. Não consegue a generalidade dos responsáveis políticos europeus assegurar o seu primeiro dever, que seria o de servir e defender os seus cidadãos e os demais imigrantes e refugiados na base da sua herança humanista e cristã. E até reconhecer que as causas dessa fonte migratória residem em muitos erros políticos, militares e diplomáticos, perpetrados por nós europeus e pela nossa soberba civilizacional de matriz ocidental.

4. Se é justo o acolhimento humanitário de populações fugidas de guerras e de perseguições, a verdade é que o mesmo significa criar condições para importar para a Europa regras e costumes que devem ser compatibilizados com os nossos valores europeus — procurando que não se permitam casamentos envolvendo crianças menores, impondo-se que não ofendam os nossos valores ocidentais. Há que impor modelos de integração consentâneos com a realidade — por exemplo, quanto aos casamentos envolvendo crianças, à ostentação da desigualdade social de género, à existência de centros de radicalização religiosa, entre outros, que contêm o gérmen do confronto entre culturas cada vez mais incompatíveis entre si, comprometendo o que se pode  considerar um salutar enriquecimento das nossas sociedades por via da abertura a outros modos de vida.

Ao que se acaba de referir acresce a multiplicação de ataques terroristas no solo europeu, perpetrados por radicais islâmicos, apostados em destruir o modo de vida ocidental e em incutir o medo e o terror nas nossas sociedades. Os atentados em França e na Alemanha são sinais que não podem ser ignorados. Mas não podem servir para diabolizar a generalidade  dos refugiados e dos imigrantes. Antes pelo contrário. E a verdade é que o medo perpassa já em muitos países europeus, como sucede na Alemanha, em França, na Suécia, na Áustria ou no Reino Unido. E em países à nossa porta, como a Turquia. Aliás, o “Brexit” foi já um primeiro reflexo desse medo, bem como a eleição do novo Presidente dos EUA, com a derrota do globalismo e a vitória do americanismo.

5. Se nada mudar e tudo continuar a agravar-se, não é de excluir que outras situações preocupantes possam suceder. Não deveremos esquecer que as eleições austríacas e a eleição de Donald Trump podem ainda condicionar este ano as  eleições em França, na Alemanha, em Itália e na Holanda. Compete aos líderes europeus perceberem a importância do momento histórico que estamos a viver, começando a dar resposta às preocupações dos cidadãos europeus, seja ao nível da segurança e da ordem pública, seja da própria relação com as novas realidades migratórias, sob pena de larvar ainda uma outra forma de radicalização na Europa: os nacionalismos com segundas pátrias a dinamitarem a coesão de vários Estados.

Embora Portugal ainda não tenha por razões de ordem geopolítica e também de natureza socioeconómica sido colocado perante a necessidade de responder aos desafios a que nos temos vindo a referir, não deixa de se dever começar a refletir com realismo e bom senso, ao invés de senso comum, sobre estes problemas, que inevitavelmente também se nos colocarão. Se nos desviarmos de um discurso positivo nas matérias atinentes às migrações e ao dialogo inter-religioso, estaremos a abrir a janela para em Portugal, ao arrepio da nossa tradição, atrairmos os problemas complexos que vários países europeus já provaram negativamente nos últimos anos, nestas matérias atinentes à imigração e a outras figuras jurídicas afins.

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