O papel de Passos

Pode-se discordar dele, mas se há coisa que Passos tem é um projecto para o país e até já o praticou.

Estará o líder do PSD a fazer oposição destrutiva ou Pedro Passos Coelho está apenas a fazer aquilo que cabe ao partido que tem a maior bancada parlamentar na Assembleia da República e que foi primeiro-ministro entre 2011 e 2015?

Depois de um ano fora do Governo, após as oposições internas se manifestarem descontentes com a estratégia do líder do PSD e os putativos candidatos a líder do partido se começarem a insinuar, Passos parece ter acordado da sua letargia expectante e assumiu um comportamento de líder na oposição activo e de confronto com a maioria de esquerda que no Parlamento apoia o Governo do PS.

Mostrou essa nova atitude a propósito da revogação parlamentar do decreto-lei do Governo que baixava a TSU para os empregadores. E para quem queira dar atenção ao que foi dizendo ao longo de um ano, assim como ao contexto do debate sobre o acordo de concertação social, não o fez porque agora tenha decidido desdizer o que disse e fez quando foi primeiro-ministro. Fê-lo porque não acredita na estratégia e na proposta do Governo para a política orçamental. Fê-lo porque discorda da forma como está a ser feito o ajuste do salário mínimo nacional. Fê-lo porque não aceita que o PSD surja aos olhos do país como o que ele mesmo considera que seria uma muleta do Governo.

No actual contexto de radicalização política que caracteriza a vida política ocidental e que tem em Portugal o pano de fundo da nova bipolarização política nascida da inédita experiência parlamentar estreada por António Costa, surgem novos patamares de afrontamento entre o primeiro-ministro e o principal líder na oposição.

A nova atitude de Passos excitou as críticas. Um fenómeno que é claramente insuflado pelo potenciar da superficialidade, bem como pelo acirrar da intolerância e até do tradicional sectarismo primário que caracterizam o debate político português. Se é previsível que a esquerda no poder tente capitalizar — às vezes com demagogia — a atitude oposicionista de Passos, como aconteceu no caso da TSU, menos previsível seria ver uma crítica quase sistemática vinda de personalidade da família política de Passos. Mas a fila de candidatos à cadeira de poder que significa ser líder do PSD e a normal vontade que assiste a quem a pretende disputar, de certo modo, legitimam essa crítica.

Muito tem sido dito sobre a atitude de Passos como líder na oposição. Nomeadamente pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e pelo conselheiro de Estado Luís Marques Mendes. Importa ter em conta que Mendes foi líder do PSD (2005-2007), tal como uma década antes o foi Marcelo (1996-1999). E se as declarações públicas do Presidente da República vão no sentido oficial de defender o papel de um líder de oposição que funcione como tal, as posições de Mendes sobre o PSD são assumidas enquanto um político que veste o fato de comentador, mas cuja opinião tem de ser analisada no contexto do seu percurso político e da sua ligação partidária.

Curiosamente, nem Marcelo nem Mendes foram primeiros-ministros, uma função que Passos já desempenhou. Passos tem uma gestão governativa a defender e tem de agir hoje na oposição em coerência com esse passado. Pode-se discordar dele, mas se há coisa que Passos tem é um projecto para o país, e até já o praticou.

Seguem-se novos episódios de tensões parlamentares que desafiarão a capacidade do primeiro-ministro de sobreviver na geometria variável que a fragilidade eleitoral do PS nas últimas legislativas o obrigam. É provável que, de novo, se venha a colocar a possibilidade de ver o PSD a votar ao lado do BE, do PCP e dos Verdes contra o Governo. Mas há uma área de importância maior cuja reforma se aproxima: a descentralização. E o discurso público do Governo e do PSD tem sido, neste domínio, de negociação. Resta esperar para ver se Passos é líder na oposição só para "chatear" ou se mostrará que sabe negociar e entrará também em consenso em nome do interesse nacional.

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