Na minha terra

Quando um português começa uma frase a dizer que "na minha terra diz-se" já se sabe o que vem aí: é  um ditado que desde tempos imemoriais chateia os cornos do país inteiro.

Todos fazemos questão de esquecer que Portugal é um país pequeno em que não há povos desconhecidos ou sub-mundos riquíssimos onde anda tudo fascinantemente de pantanas. É por isso que, quando um velho de Abrantes abre a boca para partilhar um naco de sabedoria local, o que sai é "Ovelha que não berra é bocado que perde". Ainda há santos que se dão ao trabalho de responder "Ah sim? Tem graça que eu sou de Esposende e na minha terra dizem a mesma coisa..."

O mesmo se aplica ao "quando eu era pequenino". Aquilo que se revela como uma visão privilegiada de um passado remoto que não deixou registo acaba sempre por ser uma banalidade que se perpetuou teimosamente até ao presente: "havia pessoas que andavam nas praias a vender bolas de Berlim. As pessoas hoje não acreditam. Lembro-me da minha mãe pagar com uma nota de 10 euros e do homenzinho se queixar que não tinha troco. Estás a ver há quanto tempo foi..."

É porventura uma sorte não termos nada para escondermos uns dos outros. O aborrecimento também é tranquilizador. As surpresas são próprias das culturas frescas em que quase tudo está por decidir.

Pensar-se-ia que, por causa disso, tivéssemos mais curiosidade pelas outras maneiras de ser que existem no mundo, comparada com a vontade irreprimível de sujeitar o mundo ao fardo dos preconceitos que mais nos envaidecem. Mas não.

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