Uma garagem a céu aberto

O terceiro álbum dos TOY mostra-os, mais crus, sob uma nova luz.

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TOY: viagem sónica, o prazer no saborear de uma melodia e uma certa rarefacção sonora

Os britânicos TOY começaram por ser banda que pegava nas lições rítmicas do krautrock, na sua ideia de repetição enquanto delícia para os sentidos, e aplicava-lhes depois um nada discreto filtro Technicolor. Eram, nesse sentido, banda monumental: uma saraivada de electricidade shoegaze movida a ritmo motorika. Assim se apresentaram no álbum homónimo de 2012. Join the Dots, o disco seguinte, editado um ano depois, começou a mostrá-los sob nova luz, ou seja, desejosos também de encontrarem canções e alguma gentileza pop entre o ataque sónico (deliciosamente) inclemente. Clear Shot, o álbum que agora chega, é de outra natureza.

A capa, com tom e qualidade de fanzine de outros tempos, serve de boa apresentação. A motorika ficou lá atrás e esqueçamos a Technicolor. Os TOY estão mais crus e o som é sujo, quase garageiro. Ao mesmo tempo, estão interessados como nunca nas propriedades terapêuticas do formato canção. O resultado que tal teve na música que ouvimos em Clear Shot é particularmente entusiasmante. Como canta o vocalista e guitarrista Tom Dougall em “Another dimension”, levitação em melodia primaveral e névoa sonora, “now you’re ready for another dimension / in another time”.

Ao longo de dez canções, habitualmente prolongadas em crescendos agitados, ouve-se uma banda que parece ensaiar numa garagem a céu aberto, tão devota da folk escondida em guitarras de doze cordas e das melodias saídas do cancioneiro popular britânico, quanto da opulência rock movida a sintetizadores ou de desvios space-rock que nunca se demoram tempo demasiado no espaço sideral – como ouvimos em “Fast silver”, linha de órgão fervilhando no encalço das guitarras, há demasiadas coisas boas a acontecer na Terra para gastar todo o tempo nas galáxias.

Os TOY são agora pessoal do shoegaze tão deliciado com o som sintético dos anos 1980 como com a pop psicadélica dos anos 1960 (Jungle games). São gente que apreciaria criar bandas-sonoras para filmes de baixo orçamento, com toda a intenção contracultural, dos anos 1970 (se Sofia Coppola põe os ouvidos em Cloud that cover the sun, inventa já um novo Virgens Suicidas). São uma banda que conjuga com habilidade a viagem sónica, o prazer no saborear de uma melodia e uma certa rarefacção sonora que, no caso deste Clear Shot, só torna a música mais viva e misteriosa. Não são uma nova banda, mas assinaram um álbum que é uma óptima surpresa. Vale a pena cada minuto.

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