Em três anos, 89 mulheres “congelaram” a esperança de serem mães

Congelar “óvulos” jovens para ter filhos mais tarde é uma realidade que interessa a cada vez mais portuguesas, apesar de o fenómeno estar longe da dimensão que assume em Espanha ou nos EUA. É caro e a informação escasseia.

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“Meteu-se-nos na cabeça que todas as mulheres podem ser mães aos 40 e não é verdade”, diz Elisa Coelho DR

Elisa Coelho, uma brasileira a viver em Portugal há nove anos e meio, vai decidir o seu futuro em 2017. “Tenho cinco ovócitos congelados. Ou parto para uma produção independente, que já é possível em Portugal, e tento concretizar o meu sonho de ser mãe, ou posso sempre doá-los para investigação ou para outra mulher que precise.”

Com 44 anos, esta publicitária é uma das 89 mulheres que em Portugal decidiram recorrer à congelação de ovócitos por “motivos sociais”, isto é, como tentativa de protecção da fertilidade para o caso de decidir engravidar numa idade mais avançada. Enquanto noutros países a vitrificação de ovócitos parece à beira de se tornar prática generalizada, em Portugal a técnica continua restrita a um pequeno grupo de mulheres: 16 em 2013, 14 em 2014 e 59 em 2015, segundo o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), que começou a fazer o registo da criopreservação de ovócitos na ausência de doença em 2013.

Foi o ano em que, como recorda o administrador da Ferticentro, Vladimiro Silva, a American Society for Reproductive Medicine, uma das mais prestigiadas na área, confirmou que “os resultados nos tratamentos que recorrem à congelação de óvulos são iguais aos obtidos com óvulos frescos em mulheres jovens”, o que permitiu que a técnica deixasse de ser considerada um procedimento experimental. “A partir daí, e com taxas de sobrevivência dos óvulos superiores a 90%, passou a ser cientificamente legítimo aconselhar a sua congelação”, precisa aquele médico.

Apesar disso, e numa altura em que cerca de 2,5% dos bebés portugueses já nascem com recurso a técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA), a congelação de óvulos continua residual. Por falta de dinheiro (o Serviço Nacional de Saúde não custeia, excepto por razões de doença). Mas, sobretudo, por falta de informação.

Elisa tinha 39 anos quando a sua ginecologista a aconselhou a investir algum tempo e dinheiro na preservação da sua fertilidade. “Ela sabia do meu sonho de ter filhos e então me falou desta possibilidade de fazer o congelamento dos óvulos para prevenir. E, de facto, a minha quantidade de ovócitos nessa altura já estava muito reduzida. Eu nem sabia. Achava que produzíamos ovócitos todos os meses. Imagine a minha surpresa.”

O tratamento, diz Elisa, “não custa nada, a não ser dinheiro”. “Por cada tratamento, paguei 2250 euros, e eu fiz dois, e gastei mais 600 ou 700 euros em medicação. Aconselho todas as mulheres que têm o sonho de ser mães a, pelo menos, procurarem informar-se. Meteu-se na cabeça que todas as mulheres podem ser mães aos 40 e não é verdade. Há mulheres que aos 30 e tal anos não conseguem engravidar porque já têm uma reserva ovárica muito baixa”, diz  Elisa.

Por trabalhar num centro de procriação medicamente assistida, I., que prefere manter-se anónima, viu demasiadas mulheres angustiadas por descobrirem, já perto dos 40 anos, que não conseguiriam engravidar com os seus óvulos e que teriam de recorrer a uma dadora.  “Aí o material genético do bebé será de outra mulher”, relata. Por isso, I. decidiu congelar os seus. “Tenho 34 anos e fiz duas congelações. Hoje em dia as pessoas não têm noção que, a partir dos 35 anos, são novas socialmente falando, mas velhas em termos reprodutivos.”

Nos Estados Unidos, o tema deixou há muito de ser tabu. Em 2012, o jornal The New York Times publicava uma reportagem sobre a mais recente moda de os pais pagarem a criopreservação dos ovócitos das filhas como forma de preservarem a possibilidade de serem avós mais tarde. Em Espanha, o jornal El Mundo, falava em Fevereiro da “nova moda” que terá levado cerca de 20 mil espanholas a congelarem a esperança de serem mães.

Os representantes de alguns dos quase 30 centros de Procriação Medicamente Assistida (PMA) existentes em Portugal confirmam ao PÚBLICO o interesse crescente por esta prática. “As mulheres adiam cada vez mais o seu projecto reprodutivo, mas também começam a ter, cada vez mais, consciência de que a idade é um factor determinante para a fertilidade”, afirma Sérgio Soares, director do Instituto Valenciano de Fertilidade (IVI). Nas clínicas em Espanha, o IVI conta 1498 espanholas que criopreservaram os seus ovócitos, nos últimos cinco anos. Na unidade que o IVI tem a funcionar em Lisboa, foram 29 as que, também nos últimos cinco anos, tentaram preservar desta forma o seu potencial reprodutivo, a troco de cerca de 2500 euros.

Quanto aos motivos, não diferem de país para país. “Por questões laborais, por esperarem alcançar uma melhor condição financeira, por acreditarem que ainda não encontraram o parceiro adequado…”, enumera Sérgio Soares. “A maior parte destas mulheres ainda não resolveram a sua vida sentimental, ainda não encontraram o ‘príncipe’ da sua vida, mas sabem que gostariam muito de ter um filho mais tarde”, confirma o biólogo reprodutor Vasco Almeida, vice-presidente da Sociedade Portuguesa da Medicina de Reprodução.

Ao consultório de Maria José Carvalho, directora do Cemeare – Centro Médico de Assistência à Reprodução, chegam “mulheres com um grau de informação muito grande, carreiras profissionais exigentes, umas solteiras outras casadas, mas emigradas em países como a Alemanha e Inglaterra, e que têm uma noção clara de que a idade é inimiga dos óvulos: são as nossas emigrantes”.   

Estatisticamente, 15% dos casais têm dificuldades em engravidar. “E há mulheres que se tivessem engravidado aos 27 ou 28 anos teriam tido filhos e que aos 38, quando tentam, já não conseguem”, alerta a médica.

Lembrando que “na Dinamarca, por exemplo, é comum os casais jovens irem a uma consulta aberta de avaliação da sua fertilidade porque sabem que esta não é um dado adquirido”, lamenta que em Portugal as consultas de planeamento familiar estejam quase exclusivamente centradas na contracepção.

A questão está em saber a que ponto a nova lei da PMA, que em Junho de 2016 alargou a todas as mulheres o acesso àquelas técnicas de reprodução, poderá ajudar a disseminar a vitrificação de óvulos. “A lei já permitia a qualquer mulher congelar ovócitos, mas exigia que, no momento em que recorresse a eles, se apresentasse com um parceiro do sexo masculino. Essa exigência caiu, é possível que exista um aumento”, admite Alberto Barros, médico com uma clínica de PMA, no Porto.

Para que a nova lei se torne efectiva, falta apenas que seja publicada a respectiva regulamentação, o que deverá acontecer em Novembro, segundo o Ministério da Saúde. Elisa Coelho, quando soube, aplaudiu de pé. “Apesar de muitas clínicas darem condições de transporte até Espanha, era mais uma despesa, mais um ir e vir. Sendo cá, estou em casa, tenho o meu médico perto. E isso de a lei exigir um pai, era meio surreal, porque muitos não assumem nada. Assim, pode ser [que avance], não sei…”. 

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