Pixies: já não arde

O novo disco dos Pixies não é um regresso ao passado, mas uma afirmação da tepidez de um presente: o do indie-rock.

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Head Carrier: um disco balofo, apressado e cansado

E ao sexto álbum dos Pixies, o veredicto chegou, há uma semana, pela pena de Stuart Berman: “a banda de Boston não é mais do que um grupo banal de college-rock”. O crítico da Pitchfork cita uma frase de Steve Albini (que foi o produtor de Surfer Rosa), mas a sua desilusão tolhe-lhe o entendimento. Este Head Carrier, embora possa vir a servir de epitáfio dos Pixies, não resume a discografia que eles nos deixaram. É quanto muito um passo previsível de um grupo de músicos que se voltaram a tocar juntos empurrados (pelas suas) necessidades materiais e a nostalgia histérica dos fãs. Ora, nestas condições, a obra tende (quase sempre) ser plana e oca, destituída de vitalidade e brilho. Um meio que se esgota nos seus fins.

Entre 1987 e 1992, o que destacou os Pixies foi a capacidade extraordinária de transfigurar sentimentos e emoções com sons e palavras. Black Francis cantava com as vísceras na garganta, enquanto Kim Deal vinha aplacar, quando podia, o excesso de fantasia do vocalista/guitarrista, emprestando uma liberdade juvenil, jovial, às melodias. A esta dinâmica, nem sempre estável, juntava-se a guitarra de Joey Santiago e a bateria de David Lovering, formando uma banda em que ardiam imagens (de actos, de lugares, de personagens) e ecos de referências musicais (surf-music, folk, Captain Beefheart, Gun Club, Hüsker Dü, Pere Ubu, Velvets, Leonard Cohen, David Bowie). As explosões de violência e de graça, as sensações de reconforto e medo provocadas nos ouvintes, nasciam da alegria obsessiva, por vezes dolorosa, que estes quatro músicos partilhavam e comunicavam.

É certo que Trompe le Monde (1991) estava já tomado por uma autoridade niveladora, que paralisava algumas canções, mas nada impedia os Pixies de seguir o trilho dos REM (ou dos Nirvana) a fim de conquistarem o mundo (o seu sucesso mais europeu que americano). A história não seguiria esse curso e ficaram os discos, objectos que continuaram a despertar desejos e ilusões entre aqueles que os ouviram. Até que a banda regressou aos palcos (em 2003) e ao estúdio (em 2014), disposta a acalmar o saudade dos entusiastas a quem não bastava a sofisticação emproada dos Radiohead e o revivalismo dos The Strokes.

Decisão que, de depois de aclamada com fervor sebastiânico, tem merecido a indiferença geral. O som destes Pixies vai-se diluindo no que se tornou o indie-rock, não prega qualquer tipo de regresso a uma origem. Head Carrier é um disco deste tempo: balofo, razoavelmente ignorante da história, destituído de curiosidade, apressado e cansado. Falta-lhe a maquilhagem literária ou “pan-musical” que os novos ídolos do indie-rock tão bem sabem exibir. Soa mais a Placebo e a Blink 182 do que a The National ou a Arcade Fire. Ouçam “Head Carrier” e “Classic Masher”, exemplares não tanto de uma displicência, mas de uma incapacidade de fazer mais do que punk-pop, género que exige à sua performance a força e a arrogância da juventude e esta já abandonou os Pixies. Torna-se por isso confrangedor, escutar Baals Back e Um Chagga Lagga, gestos esforçados por recuperar a herança do punk, sem saber o que fazer com ela. Não basta saber tocar, é preciso também saber ouvir e continuar a gostar de ouvir, capacidades que só se descobrem, muito timidamente, em Talent, onde resplandece o gosto de Black Francis pelos Buzzcocks e a power-pop da sua cidade de Natal. Pode-se argumentar que os Pixies não quiseram alimentar-se de outras sonoridades, temendo pôr em causa a sua suposta integridade, que se esconderam no passado (em Might As Well Be Gone e All I Think About Now espreitam fantasmas de outras canções), que se limitam a regurgitar uma fórmula entretanto copiada e enfeitada pelos seus descendentes. Nesse caso, Stuart Berman terá razão. Mas a explicação pode ser mais simples: a urgência calorosa do indie-rock arrefeceu. O que impele hoje a sua objetificação em discos será menos o prazer de fazer e mostrar, do que a necessidade de satisfazer necessidades ou carências que lhe deviam ser alheias. 

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