GNR não pode multar donos de terrenos abandonados na Madeira, mas autarquias podem

Em causa está a lei que permite agir contra proprietários que não limpam os terrenos. Legislação não foi adoptada na região autónoma quando foi criada em 2006 e já em 2009 uma alteração estabeleceu que passava a aplicar-se só ao continente.

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Os grandes fogos voltaram à Madeira este Verão Miguel Manso

A GNR já aplicou centenas de multas a proprietários de terrenos que não estão limpos, no âmbito do Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, criado pelo Governo em 2006, mas este sistema nunca foi implementado na Região Autónoma da Madeira.

A primeira versão do decreto-lei que define a política e estrutura de prevenção dos incêndios mencionava que nas regiões autónomas este iria aplicar-se "após a respectiva adaptação" por "decreto legislativo regional". Esta referência foi, porém, eliminada já em 2009, numa mudança legislativa feita através de um novo decreto-lei, que passou a estabelecer que este sistema nacional só se aplica ao "território continental".

Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Administração Interna (MAI) esclareceu que o Decreto-lei n.º 124/2006, que estrutura o Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios, se “aplica apenas ao território continental português”. “Esta matéria encontra-se no âmbito da autonomia regional, cabendo às instituições das regiões autónomas legislar sobre as mesmas”, acrescentou fonte oficial do MAI.

A GNR adiantou à TSF que só este ano já foram levantadas coimas contra 800 proprietários e fiscalizados três milhões de terrenos no continente.

Notíficações "caem em saco roto"

A não implementação na Madeira do Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios é, para o presidente da Câmara Municipal do Funchal, Paulo Cafôfo, um “problema” mas a autarquia não tem estado de “braços cruzados” nesta matéria. Até porque nas regiões autónomas são os municípios que aplicam as coimas.

Paulo Cafôfo, contabiliza perto de 350 notificações feitas, nos últimos 12 meses, pelo município do Funchal a proprietários de terrenos abandonados. O problema, diz, são as consequências e resultados dessas diligências. “Muitas vezes caem em ‘saco roto’, porque os proprietários, face ao valor das coimas, concluem que sai mais barato nada fazer”, explica o autarca, apontando ainda dificuldades em contactar os verdadeiros proprietários dos terrenos.

As partilhas de heranças não são muitas vezes registadas, de forma a tornear as custas inerentes, e não são raras as transacções de terrenas feitas por “boca” pelo mesmo motivo. Por isso, e porque face à “escassez de recursos humanos” quanto mais autoridades possam fiscalizar, melhor, diz o autarca que  defende a adaptação à região autónoma do Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios.

Visão diferente tem o PSD-Madeira. O líder parlamentar do partido na assembleia regional, Jaime Filipe Ramos, sublinha que “não existe um vazio legal” no arquipélago. Nem pode. “A própria Constituição é clara: Quando a legislação não é adaptada às regiões autónomas, vigora a lei nacional”, diz ao PÚBLICO.

Vigora na Madeira lei anterior que data de 2006

Neste caso, acrescenta, depois do decreto-lei de 2006 ter sido alterado em 2009, deixando de fora Açores e Madeira, o que vigora no Funchal é a lei anterior a 2006, que diz que cabe aos municípios fiscalizaram esses terrenos.

Jaime Filipe Ramos admite que exista necessidade de “clarificar” a actual legislação, até porque na Madeira a fiscalização da floresta cabe, não à GNR, mas sim à Polícia Florestal, e lembra que as autarquias têm várias ferramentas que podem utilizar. A posse administrativa provisória é uma delas. “Em caso de risco, as autarquias podem tomar posse administrativa dos terrenos, limpá-los e depois cobrar os proprietários”, diz.

Uma possibilidade que Paulo Cafôfo diz que, na prática, não funciona. Essa opção só pode ser tomada em casos de risco. E quem é que define o risco? As autarquias? “No caso do Funchal, todos representam risco, e a câmara vai tomar posse administrativa de todos?”, questiona o responsável camarário.

Para já, e logo que recomecem os trabalhos, os incêndios vão estar na agenda do parlamento madeirense. O CDS-Madeira anunciou durante a tarde desta terça-feira que irá convocar um debate potestativo sobre o tema, e a própria mesa da assembleia já convocou os líderes das várias bancadas para discutir o assunto.

No início deste mês, três dias de incêndios que atingiram a Madeira e em especial o Funchal provocaram três mortos. Da situação resultaram também mil deslocados. A Câmara do Funchal revelou, entretanto, um balanço provisório, que aponta para prejuízos de 55 milhões de euros.

Entretanto, a Comissão Municipal de Protecção Civil do Funchal decidiu nesta terça-feira desactivar o Plano Municipal de Emergência que foi operacionalizado na semana passada devido aos incêndios que deflagraram no concelho, informou o presidente da autarquia.

 

 

 

 

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