Argentina vs. Brasil: um apelo à calma e uma ironia do destino

Uma das histórias destes Jogos Olímpicos está a ser a disputa entre os dois grandes grupos de adeptos, com o Presidente argentino e as estrelas de várias modalidades a apelar à calma. Brasileiros obrigados a torcer pela Argentina para seguir em frente no basquetebol.

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Imagens de adeptos durante o Argentina-Brasil em basquetebol Jim Young/AFP
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A Argentina venceu o jogo e já está apurada para os quartos-de-final Jim YOUNG/AFP

É uma tensão quase histórica. Irá muito além de um caso de Pelé vs. Maradona, embora seja pelo futebol que o mundo mais dá conta dela – mas agora, a rivalidade entre a Argentina e o Brasil está a ser uma das histórias destes Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, das bancadas às mais altas instâncias. Antes do importante jogo de basquetebol entre as duas selecções, o Presidente argentino avisou que a coisa “pode acabar mal” e a tentativa de mudar a narrativa parece estar a surtir efeito. E também está a mudar o foco de apoio – para poder apurar-se, o Brasil “tem de” torcer pela Argentina, que o derrotou no basquetebol.

Ao longo da última semana, a cena repetia-se a cada partida com atletas argentinos: a claque brasileira apupava-os e torcia fervorosa e audivelmente pelos seus adversários, fossem eles quem fossem. Os argentinos, também muito bem representados nas bancadas – já lhe chamaram a “maré argentina” -, respondem com cânticos na ponta da língua. Por vezes, juntam-se à claque das equipas adversárias do Brasil nos momentos mais aguerridos.

Um dos casos mais mediáticos foi na partida de ténis entre o argentino Juan Martín Del Potro e o português João Sousa, na segunda-feira, em que o primeiro foi assobiado e apupado todo o tempo. Um adepto brasileiro envolveu-se numa cena de pugilato com um correligionário argentino durante o jogo, que chegou a ser interrompido.


Posto isso, os secretários de Estado do Desporto brasileiro e argentino promoveram uma acção simbólica para tentar apaziguar as duas claques – no jogo das duas selecções de basquetebol no sábado, cada uma entrou com a bandeira da outra na mão. Dias antes, no râguebi, dava-se também o exemplo.

Reedição da rivalidade Portugal-Espanha, raízes na política do século XIX e nos diferentes ritmos de progressão económica dos países no século passado, ou simples querela de vizinhos exponenciada pela paixão pelo futebol na América do Sul, o tema chegou sábado ao mais alto nível quando Mauricio Macri, o Presidente da Argentina, interveio publicamente sobre o tema. Antes do jogo de basquetebol entre as duas equipas nacionais, pediu que os torcedores dos dois países, basicamente, se acalmem.

Mauricio Macri, ex-presidente do Boca Juniors, um dos mais populares e internacionais clubes argentinos, constatou via Facebook que “a rivalidade desportiva entre argentinos e brasileiros se tornou um confronto verbal que pode acabar mal”. “Nem nós, argentinos, nem os brasileiros são assim”, lembrou, citando o basquetebolista e capitão de equipa Luis Scola: “Não quero que o Brasil perca. Só quero que o Brasil perca quando joga com a Argentina. Parece-me parvo entoar cânticos contra uma equipa que nem sequer está em campo”. O treinador da equipa do Brasil é o argentino Ruben Magnano, que foi técnico da selecção argentina em 2004, e para ele num jogo “tem que cantar", mas o resultado final tem de ser "zero violência, zero briga”.

No fim das contas, a Argentina bateria o Brasil por 111-107. Foi um jogo com dois prolongamentos e alguma tensão, mas muita alegria entre os espectadores. E que, ironicamente, também pôs o Brasil numa posição peculiar: a de depender da vitória da Argentina sobre a Espanha. É que para estar nos quartos-de-final do torneio de basquetebol o Brasil precisa de vencer a Nigéria na última jornada e esperar que os argentinos, já apurados, vençam a Espanha. 

O jogo deste sábado foi rodeado por segurança reforçada, segundo a rádio RFI Brasil, mas também foram audíveis cânticos do futebol em que se elogiava Pelé ou se brincava com os problemas de Maradona com as drogas. Tudo a fazer lembrar o Mundial de futebol de 2014, quando, diz o secretário de Estado do Desporto argentino, Carlos Javier Mac Allister, a relação entre os dois grupos de adeptos se agravou em violência e passou a inspirar maior preocupação e vigilância por parte das autoridades dos dois países.

Há dois anos, registaram-se confrontos dentro e fora dos estádios e os níveis de provocação foram aos píncaros. Com a Argentina na final (embora derrotada) e o Brasil a perder 7-1 com a Alemanha, o país anfitrião ouvia os cânticos “Brasil, decime qué se siente/Tener en casa a tu papá”, que iam desde o golo de Claudio Caniggia que eliminou a selecção brasileira no Mundial de futebol de 1990 até ao postular que “Maradona es más grande que Pelé”.

À saída do jogo deste sábado, os adeptos reconheciam a potência da sua rivalidade – “Comemoramos a dobrar”, admite o espectador argentino Diego Texido à RFI, porque “ganhar ao Brasil em qualquer desporto é muito importante para nós”; “Estamos à frente deles no medalheiro. Os Olímpicos são em nossa casa e aqui quem manda é o Brasil”, diz o brasileiro Jorge Monteiro. Mas agora todos frisam que fora dos pavilhões só há espaço para convívio amigável; a televisão Globo encontrou mesmo claques brasileiras a torcer pela Argentina no râguebi, por exemplo.

Os atletas de cada país nestes Jogos estão também a ser instruídos a acalmar os ânimos nas conferências de imprensa e a divulgar nas redes sociais imagens dos desportistas de ambas as nacionalidades a conviver para melhorar o ambiente. A estrela argentina e jogador da NBA Manu Ginóbili foi um desses apaziguadores, lembrando que é só “um jogo de básquete, que não faz sentido lutar fora do campo”. Embora, como reconheceu ao USA Today o jogador brasileiro que também brilha na NBA, Anderson Varejão, “tudo o que seja contra a Argentina vai ser uma loucura” porque são jogos, seja de que modalidade for, “em que ganhar é algo que nos lembramos para sempre”.

Mac Allister resumiu, em declarações à imprensa a meio da semana passada: "Fomos sempre rivais, mas nunca inimigos."

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