Crónicas da depressão suburbana

Um mini-Tati, muito seco e muito físico, a merecer atenção: Histórias de Bairro

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Histórias de Bairro cruza três linhas narrativas diferentes, formando também três pares de personagens, num mosaico tragicómico da vida num bairro bisonho e cinzento da periferia duma grande cidade. Não é forçosamente “sociologia”, visto que os temas habituais quando se trata de evocar os subúrbios franceses (a violência, a integração das comunidades imigrantes, etc) estão praticamente ausentes, provável razão por que Samuel Benchetrit (que trabalha com um argumento construido sobre a sua obra literária) escolheu ambientar o filme na pacata Colmar em vez de o fazer nas principais cidades francesas. E essa deriva, entre o que parece um “tema” definido e se revela, questão de tom, ser afinal apenas pretexto para um pouco de “poesia” esparsa e indefinível, é o que faz o charme (discreto, seguramente) de Histórias de Bairro.

É ao mesmo tempo muito cómico e muito triste, e o espectador dá por si sem saber como reagir a certas situações que Benchetrit envolve numa ambivalência perfeitamente conseguida. É, por exemplo (que é o melhor do filme), a saga da personagem de Gustave Kerven, um inválido que se desloca em cadeira de rodas e tem que lidar com o elevador avariado (a primeira cena, aliás, é uma reunião de condóminos). Benchetrit estica esses momentos, amplia os gestos e os ruidos, dá a ver o esforço e o estorvo, chega perto de ser um mini-Tati, muito seco e muito físico.

É pena que no emaranhado narrativo de Histórias de Bairro essa não seja a tónica, e que tudo caminhe para uma forma de psicologia, às vezes demasiado ornamentada (como a preparação, na história mais bizarra de todas, da chegada dum astronauta americano inopinadamente caido sobre o prédio). Se o processo nem sempre resulta, conserva-se uma espécie de silêncio, bem corporizado por Isabelle Huppert (na pele de uma actriz em decadência), e um sentido indecifrável, patente aliás nos planos com que o filme acaba, que consegue fazer de Histórias de Bairro, sobretudo pelo lado certeiro da composição das personagens (e trabalho dos respectivos actores), uma obra a merecer alguma atenção.

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