Asfixiou ex-mulher deficiente até à morte. Foi condenado a 19 anos de cadeia

Tribunal de Almada considerou provados os crimes de homicídio qualificado e de violência doméstica.

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O homem que asfixiou a ex-mulher deficiente até à morte no Verão passado, na sua casa da Charneca da Caparica, foi condenado esta sexta-feira a 19 anos de cadeia pelo Tribunal de Almada. "Não só tirou a vida à mulher com quem partilhou muitos anos de vida, como matou a mãe dos seus filhos. Nada justifica o que fez", disse a juíza presidente do colectivo, Carla Alves, na leitura da sentença,   

Ajudante de lares de idosos, Anabela Pereira tinha 43 anos e foi a 21.ª vítima mortal de violência doméstica sobre mulheres do ano de 2015. Até ao final do ano outras oito mulheres haviam de morrer às mãos de companheiros e ex-companheiros. Foi assassinada na lavandaria da vivenda com piscina onde havia morado com o marido, segurança de profissão, numa altura em que os dois filhos do casal também se encontravam em casa. Os jovens não assistiram ao homicídio.

Augusto Borges, que alegou em tribunal ter morto a antiga companheira sem querer, por acidente, foi ouvido por testemunhas a ameaçá-la muito antes do crime: “Pões-me fora de casa e eu mato-te. Parto-te os carros todos e a casa também. Vou-te matar e depois vou para um T0 onde não pago renda”.

Nesta altura já a ajudante de lar tinha ficado sem uma perna. Entrou no Hospital Garcia d’Orta para ser operada às varizes e saiu amputada, por os médicos terem confundido uma artéria com uma veia. Com a avultada indemnização que conseguiu graças ao erro médico comprou a casa com piscina, mas as desavenças com o marido, dez anos mais velho, tinham-se agravado, depois de descobrir que, ao contrário do que lhe contara, não tinha sido despedido do emprego. Tinha-se despedido para viver à sua custa, concluiu Anabela Pereira, que ao longo de mais de duas décadas de casamento foi agredida pelo marido várias vezes. Nalgumas delas tinha-lhe também apertado ao pescoço.

Mandada embora do lar por ter ficado incapaz para o pesado serviço, apesar das próteses que o hospital lhe providenciara, não queria ter por herdeiros dois filhos que ele possuía de um anterior casamento, e divorciou-se. Foi, porém, um divórcio fictício: continuaram a coabitar por mais dois anos, mantendo a separação legal em segredo. Só depois havia de o convencer a ir-se embora, oferecendo-lhe um carro para sair de casa.

No dia fatídico, da parte da manhã, Augusto Borges fora buscar à vivenda alguns pertences que ainda ali tinha. Discutiram, segundo o arguido por ela ter insistido em verificar se ele não levava consigo nada que não lhe pertencesse. Queixa-se de a ajudante de lar o ter insultado, chamando-lhe "porco de merda". E garante não se recordar de tudo o que sucedeu a seguir: que depois de lhe ter deitado as mãos ao pescoço só se lembra de estar já ajoelhado ao seu lado. O facto de não sofrer de nenhuma patologia psíquica fez o tribunal ignorar esta explicação, por a considerar pouco credível. 

A ajudante de lar chegou a apresentar queixa contra o companheiro por violência doméstica, mas mês e meio antes de ser assassinada concordou em pedir a suspensão provisória do processo, expediente que conduz habitualmente ao arquivamento das queixas. Esta sexta-feira Augusto Borges foi sentenciado a 19 anos de prisão, por homicídio qualificado mas também por violência doméstica. O seu advogado, que tinha pedido ao tribunal para não condenar o seu cliente a mais de 16 anos de cadeia, pondera recorrer.  

O colectivo de juízas responsável pela sentença considerou particularmente grave tirar a vida a alguém mais frágil do que a maioria das pessoas, e que já tinha passado pelo trauma da amputação. “Encontrava-se a olhar para o rosto da vítima quando a matou”, descreve a sentença, explicando que a morte não foi instantânea. Enquanto sufocava às mãos do ex-marido, Anabela Pereira tentou soltar-se arranhando-o na cara e no pescoço. Sem sucesso. "O arguido só a soltou quando já se encontrava morta e não se debatia", concluiu o tribunal.

Na origem do crime não terão estado nem questões financeiras nem sequer ciúmes. É verdade que a vítima tinha ido tomar café na noite anterior com um homem que conhecera online, nas redes sociais, mas não existem indícios de que o ex-marido tenha sequer sabido disso. Quanto ao dinheiro da indemnização estava a acabar, e uma vez que se tinha divorciado Augusto Borges não herdaria nada.

As juízas encararam antes o sucedido como o desfecho de um relacionamento tumultuoso de parte a parte que terminou demasiado tarde. Há muito que havia "ressentimentos recíprocos" entre os dois, e o agressor "sentiu-se usado, repudiado e abandonado" por ter de sair de casa de vez.

Com a mulher já estendida no chão, o segurança ligou à GNR a contar o que tinha feito. Pediu aos guardas para não ligarem a sirene das viaturas. Para não acordarem os dois filhos, que estavam a dormir no andar de cima. 

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