Câmara de Valongo vai de terra em terra prestar contas à população

Ao longo da semana, o executivo de Valongo percorreu cinco freguesias numa iniciativa que apresenta as contas da autarquia aos munícipes. A iniciativa não teve a adesão esperada mas a autarquia não desiste de tentar fazer vingar a semente da cidadania.

Foto
José Manuel Ribeiro, presidente da Câmara de Valongo Dato Daraselia

"Saiba quanto custou". É este o mote da iniciativa promovida pela Câmara de Valongo que disponibiliza aos quase 100 mil munícipes dados relativos à gestão municipal e à utilização de recursos públicos. Despesas em eventos, fornecedores ou obras públicas, relativas ao ano de 2014 e de 2015, estão discriminadas e acessíveis para consulta no site do município, num processo que conta com a parceria do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP). Mas a autarquia quis sair do mundo digital e, pelo segundo ano consecutivo, trouxe esses cálculos para o mundo real com um conjunto de sessões públicas de prestação de contas, que decorreram durante a semana passada em Valongo, Ermesinde, Alfena, Campo e Sobrado. A "Semana da Prestação de Contas" serve para esclarecer as dúvidas dos munícipes no que respeita aos gastos da Câmara numa iniciativa que quer promover a “transparência” e o “envolvimento da população na governação local”. É este o entendimento do presidente da Câmara de Valongo, que sublinha o carácter “inédito e invulgar” da iniciativa entre os 308 municípios do país.

A “preocupação” do executivo socialista, liderado por José Manuel Ribeiro, passa por simplificar um tipo de informação “de difícil compreensão” para a maioria das pessoas. A autarquia entende que essa compreensão é essencial para o “reforço da cidadania e da participação" da sua população dados os “sinais preocupantes” da “diminuição constante de participação no sistema democrático”, reflectida nas taxas de abstenção, que “aumentam continuamente”.

Perante um auditório pouco composto, em Alfena, o autarca tentava combater a “desconfiança” que as pessoas têm em relação ao sistema democrático. Uma “desconfiança” que para José Ribeiro tem origem no “elevado desconhecimento” que as cidadãos têm daquilo que é a vida autárquica, da forma de funcionamento das câmaras, das freguesias e “das contas”. E é por aí que começa a sessão, com a apresentação das contas do município, do ano de 2015, à qual se seguem questões colocadas pelos munícipes sobre a rede viária do concelho, o viaduto da A41, a gestão do Espaço Multiusos de Alfena e as instalações desportivas.

Um deputado municipal, morador de Alfena, pede desculpa por “estragar a fotografia” mas diz não concordar com o facto de serem apresentadas as contas “só depois” de os projectos estarem feitos. “Quando se faz alguma coisa para as populações era importante ouvi-las, há que explicar porque é que se faz”, diz o alfenense. “As contas valem o que valem e envolvem uma componente de decisão política, às vezes esquecida”. Para o deputado municipal esta deveria ser mais escrutinada porque é “pouco fazê-lo só uma vez por ano”.

A "Semana da Prestação de Contas" foi finalista do Prémio Boas Práticas de Participação, promovido pelo portal para a participação cidadã Portugal Participa, tendo perdido para o município de Águeda. Mas valeu a Valongo uma subida de 110 lugares no Índice de Transparência Municipal, ocupando agora o 13º lugar na tabela, a melhor posição entre os municípios da Área Metropolitana do Porto. Uma posição que suscita dúvidas ao deputado municipal, dando como exemplo pedidos de documentos “ao abrigo da legislação” que demoram “meses” a ser obtidos. “O ranking vale como marketing político”, remata.

Mas se há quem olhe com desconfiança para a iniciativa, há quem a aplauda e acuse os críticos de quererem fazer “um ajuste de contas” com o actual executivo. É o caso de um membro da assembleia de freguesia de Valongo que considera que, “no mínimo, as pessoas têm de reconhecer que o muito pouco que os senhores [o executivo] fizeram, fizeram-no bem”. O também presidente do F.C. Estrelas Susanenses acrescenta que também ele pratica, no clube, uma política de transparência: “Desde que estou lá, há um ano e tal, as contas estão cá fora de três em três meses para os sócios verem”. Uma prática que o presidente do Estrelas Susanenses sugere que a Câmara “exija” a todas as associações. E que é partilhada pelo próprio executivo que quer “influenciar a comunidade [responsáveis das autarquias, freguesias, associações, colectividades] a adoptar um padrão de gestão” e a ter uma “cultura de partilha” de relatórios de actividades ou orçamentos. “Prestar contas permanentemente” é uma “obrigação de todos aqueles que representam a população”, sublinha o autarca.

Convicto de que uma "Comunidade + esclarecida é uma Comunidade + participativa" (slogan do projecto), José Manuel Ribeiro espera que a iniciativa venha “ajudar a resgatar esta relação de confiança que está tão prejudicada”. O “elevado desconhecimento” e a “falta de compreensão do público” são, para o autarca, factores que transformam uma “comunidade pouco autónoma numa comunidade frágil, com pouca liberdade”, controlada por uma “ditadura dos iluminados”, em que é uma “percentagem pequena quem participa e escolhe”. Um sistema que “obriga a saber ler, escrever e contar, mais para participar no sistema económico, ser um bom consumidor, do que para ser um bom cidadão”, conclui.

Apesar da iniciativa não colher “os magotes” que o presidente gostaria, o autarca faz referência à quase uma centena de pessoas que marcaram presença nas sessões de Valongo e de Ermesinde e adianta que vai apostar “ainda mais” em fazer chegar informação direccionada a casa dos munícipes “visto que as pessoas não vêm colocar questões”. Na edição anterior, a iniciativa contou com a participação de 400 pessoas, no total das sessões. 

Texto editado por Ana Fernandes

Sugerir correcção
Comentar