Um político revogável

Se Paulo Portas deixa pouca escola, parece que o CDS não se importa de ser um partido de políticos revogáveis.

Houve uma altura, ali pelos anos de 2005, em que estava na moda vaticinar o fim da carreira política de Paulo Portas. Quem o fez, errou — eu incluído.

Afinal, Paulo Portas voltou para tomar o poder no CDS/PP e depois para retomar o poder junto com o PSD. Foi Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros e depois vice-Primeiro-ministro. Saiu da liderança do partido em apoteose e abandonou o parlamento vinte anos depois de lá ter entrado. É, sob todas as medidas, um político de sucesso.

E no entanto é estranho (e é até pena) que quando Paulo Portas dá por acabada a sua carreira política nós não nos lembremos de nada que o político Paulo Portas tenha feito. Nada, isto é, além de fazer carreira. Paulo Portas ocupou cargos políticos mas não deixou uma política. Proclamou-se eurocético e eurocalmo e eurorealista e, talvez por isso mesmo, não há ninguém que associe Paulo Portas a uma ideia perene. É adorado pelos seus discípulos no partido mas, de forma algo contraditória, não “fez” escola — no sentido em que ser um líder talentoso e um competente gestor de interesses internos ao partido não chega para legar uma corrente de pensamento e gente que a consiga interpretar.

Julgo que até os seus correligionários reconhecem que Paulo Portas foi muito mais influente como jornalista, onde criou obra a partir do zero, inventou um estilo e uma estética, deixou influências e alterou consideravelmente o panorama anterior da sua área. Como político não deixou estes ativos, e no seu passivo constará ainda durante muito tempo o episódio da sua demissão “irrevogável”. Bulhão Pato não era político mas deixou as amêijoas. “Salazar” será reconhecido durante muito tempo como um rapador de cozinha. Do Paulo Portas político é capaz de permanecer um adjetivo ao qual ele inverteu o sentido e uma reforma do estado com muitas vírgulas a mais.

Não que lhe importe muito. E aí chegamos ao último episódio — o de Paulo Portas consultor empresarial. Tristemente não se pode dizer que se esperasse de Paulo Portas melhor do que isto: uma transição sem decoro, sem período de nojo e sem vestígio de ética republicana, ao melhor estilo de quem nos trouxe o caso dos sobreiros e das transferências bancárias duvidosas para a conta do seu partido.

O novo contrato de Paulo Portas com a Mota-Engil pode indignar mas infelizmente não surpreende, a não ser talvez pela reação de Assunção Cristas, que decidiu justificar o novo emprego do seu antecessor dizendo que “é positivo que nós possamos ter no país alguém com a experiência de Paulo Portas a ajudar o nosso tecido empresarial e a ajudar a internacionalização da nossa economia”.

Não, Assunção. Paulo Portas não vai estar ao serviço do país. Vai estar ao serviço remunerado da Mota-Engil. Que a líder de um partido parlamentar confunda os dois planos e ache que aquilo que é bom para a Mota-Engil é bom para Portugal demonstra uma fraca noção do passado e um péssimo sinal para o futuro.

Se Paulo Portas deixa pouca escola, e a escola que deixa é esta, parece que o CDS não se importa de ser um partido de políticos revogáveis.

 

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