O que tem a escolaridade obrigatória a ver com a tourada?

A discussão sobre a imposição de um limite etário para a participação de jovens em espectáculos tauromáquicos aqueceu o plenário. A liberdade de voto no PS pode levar ao chumbo dos projectos do BE, PEV e PAN.

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Público/arquivo

Não se ouviram "olés", mas apenas vozes exaltadas e argumentos jocosos a provar que a tourada é um tema que não se consegue debater, nem mesmo no Parlamento, sem se usar um discurso inflamado – seja ele contra ou a favor do espectáculo tauromáquico.

A votação dos diplomas do Bloco de Esquerda (BE), Partido Ecologista Os Verdes (PEV) e Pessoas-Animais-Natureza (PAN) que proíbem a participação de menores de 18 anos em espectáculos tauromáquicos profissionais ou amadores está agendada para esta quinta-feira, mas as propostas arriscam-se a ficar pelo caminho. As bancadas da direita são maioritariamente contra, o PCP também não concorda com os moldes em que as propostas estão formuladas tendo apontado, diplomaticamente, que ali encontra “muitas insuficiências”, e o PS, rejeitando “extremismos”, decidiu dar liberdade de voto aos seus deputados.

Depois de fazer a sua intervenção no púlpito em que teve que elevar a voz acima dos comentários que se faziam ouvir do PSD e CDS, o deputado do PAN voltou para o seu lugar visivelmente irritado e ao passar pelo meio do PSD deu uma palmada na madeira da bancada, o que motivou protestos do secretário-geral social-democrata, Matos Rosa, e do seu adjunto, Pedro Pimentel. Esse foi apenas o início do debate esgrimido entre a direita e os três partidos da esquerda, com recurso quanto baste à ironia.

Falar inglês com o touro

André Silva (PAN) argumentou que a participação de menores em touradas viola os direitos das crianças e o Código do Trabalho, e disse esperar que cada deputado que chumbar estas propostas “tenha consciência que também é responsável se um menor morrer ou ficar gravemente ferido” numa tourada. O deputado bloquista Pedro Soares ressalvou que apesar de a tourada ter “raízes culturais em territórios rurais”, a sociedade portuguesa “evoluiu”, defendeu que “nenhuma família saudável deixaria os filhos participar num espectáculo em que os animais são violentados”, e condenou a “violência real e explícita para gáudio de alguns”.

A deputada ecologista Heloísa Apolónia classificou a tourada como um espectáculo “degradante” de “violência e agressividade”, afirmou que as propostas visam apenas voltar ao que já foi lei – que só poderia participar em touradas quem tivesse a escolaridade obrigatória, mas que a direita alterou em 2015 para um limite etário de 16 anos –, no entanto, a proposta do PEV estipula que “os artistas tauromáquicos e os auxiliares devem estar habilitados com a escolaridade obrigatória”.

Esta cláusula motivou a crítica da direita. “É ridículo. É dizer: um campino, um bandarilheiro, um homem que viveu com os toiros a vida toda e tem 40 anos, se não tem a escolaridade obrigatória não pode ser toureiro?”, questionou o centrista Telmo Correia. “É para quê? Para conseguir falar com o touro? É entender Picasso ou Goya? É conseguir incitar o touro em inglês?”, acrescentou perante as palmas da direita e os protestos mais à esquerda.

Já o PSD disparou contra as “discriminações”, atirando ao BE que o partido admite que aos 16 anos os jovens possam votar, mudar de sexo, consumir cannabis, mas não podem decidir ser toureiros. “É a isto que chamam igualdade para todos?”, inquiriu Nuno Serra.

A comunista Ana Mesquita lembrou, tal como faria depois Telmo Correia, outras actividades que podem ser consideradas perigosas e às quais questionou se se deveria estender a proibição, como os desportos de combate e motorizados, o circo e até participação em televisão e cinema.

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