Investigações da PJ a fraudes na Saúde permitiram poupança de milhões ao Estado

Conferência em Lisboa juntou ministros da Saúde e da Justiça pela “importância de reflectir em conjunto” no combate à criminalidade na Saúde

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O novo símbolo será utilizado em todos os medicamentos que tenham chegado ao mercado depois de 1 de Janeiro de 2011 PEDRO VILELA

Com o início das investigações da Polícia Judiciária em 2010, e as operações de combate à fraude e à corrupção lançadas no sector da saúde em 2012, foi possível nesse ano poupar quase 152 milhões de euros ao Estado, disse ao PÚBLICO o inspector-chefe Afonso Sales, coordenador na Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ após a sua intervenção na conferência Criminalidade na Saúde — Estratégias de combate, resultados e desafios de ontem no edifício-sede da PJ em Lisboa. Assim, os encargos que eram em 2011 de quase 1326 milhões baixaram em 11,4%, permitindo ao Estado poupar quase 152 milhões de euros em 2012.

“Nos anos seguintes a 2012 as comparticipações do Estado continuaram a baixar, mas menos”, explicou. Nesses anos, notou-se que de cada vez que estava em curso uma grande operação — além da Remédio Santo, foram lançadas em 2012, por exemplo, a Esquizofarma ou a SOS Farmácias — “as comparticipações baixavam todos os meses cerca de 10 milhões por mês”. Outras operações de combate à corrupção se seguiram como a Receitas a Soldo ou a Consulta Vicentina — em 2013—, a Triângulo das Bermudas em 2014 ou a Cruz Verde em 2015.

Entre 2012 e 2016, a Unidade de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária realizou 451 buscas em hospitais, consultórios médicos, farmácias e residências, e deteve 66 pessoas, entre as quais médicos, farmacêuticos, delegados de informação, entre outras pessoas que colaboraram nas fraudes.

Em 2014, e pela primeira vez, o tribunal deu como provada a associação criminosa numa burla ao SNS. Nesse processo, Remédio Santo, com 18 arguidos, 16 foram condenados — 13 dos quais a penas de prisão efectiva.

Actualmente, e segundo informações obtidas junto da Procuradoria-Geral da República, encontram-se em investigação, no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), 30 inquéritos envolvendo situações de fraude ao Sistema Nacional de Saúde.

As formas de defraudar os sistemas de saúde são várias. Pode ser através de receitas fabricadas para obtenção fraudulenta de medicamentos comparticipados pelo Estado depois vendidos nos mercados paralelos, apresentação de facturas respeitantes a exames médicos nunca realizados, venda na Internet de medicamentos falsificados e outras.

O fenómeno é cada vez mais abrangente e as oportunidades maiores num sector “com menos dinheiro e mais pacientes para tratar”. Ao mesmo tempo, e também nas palavras da ministra da Justiça na abertura da conferência, a criminalidade económica e financeira é um segmento criminal “em constante mutação”. Quando as duas realidades se cruzam, a actividade delituosa traz “custos esmagadores”, disse Francisca Van Dunem, impondo-se “um dever” e “um imperativo de consciência”, acrescentou o director nacional da PJ, Almeida Rodrigues. Para Portugal, as estimativas apontam para perdas de “centenas de milhões de euros”, disse Francisca Van Dunem.

Na conferência, também o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, defendeu uma “política de tolerância zero” no combate à corrupção e fraude no sector da saúde, que qualificou de “bastante apetecível para quem procura o lucro fácil”, para se “evitar a fraude e o desperdício” em nome de uma utilização “correcta dos bens públicos”.

Centro é "arma secreta do Ministério da Saúde" contra a fraude

Em paralelo com as investigações da PJ, mas ainda numa fase preliminar à obtenção de prova, são feitas averiguações pelo Centro de Controlo e Monitorização (CCM) do SNS. Os trabalhos deste centro — apelidado de “a arma secreta do Ministério da Saúde no combate à fraude” pela directora da Unidade de Combate à Corrupção da PJ Saudade Nunes — começaram também em 2010, seguindo-se a divulgação em 2012 dos primeiros relatórios de triagem de casos que levantam dúvidas e, numa segunda fase, de relatórios de investigação que fazem uma análise mais aprofundada de situações já suspeitas.

Há processos de 2012 que ainda não terminaram, não sendo por isso possível calcular um número total de casos confirmados de fraudes detectadas na Saúde em Portugal, disse depois aos jornalistas Isaura Vieira, coordenadora deste centro, que faz parte do Ministério da Saúde, na Administração Central do Sistema de Saúde.

Mas é possível saber que foram produzidos 573 relatórios, respeitantes a suspeitas de fraude, que depois se confirmaram ou não, ou que ainda estão sob investigação ou em julgamento, desde que o CCM começou a produzir esses documentos em Setembro de 2012. Nesse período, as potenciais fraudes monitorizadas tinham um valor de 943 milhões de euros. “Nós detectamos indícios de fraude”, explicou Isaura Vieira. Na Inspecção-Geral das Actividades de Saúde e sobretudo na PJ “apura-se” se estes indícios se comprovam. 

O representante da European Healthcare Fraud and Corruption Network, Paul Vincke, apresentou dados comprovados para alguns países europeus. Enquanto na Grécia a fraude detectada em 2014 foi de 300 mil euros, na Alemanha foi de 43 milhões de euros.

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