Intermitentes do espectáculo ocuparam um dos principais teatros de Paris

Desde domingo que o Odéon – Théâtre de l'Europe se transformou na sede das reivindicações da classe, que quer ter uma palavra a dizer sobre as novas regras de acesso ao subsídio de desemprego.

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CHARLES PLATIAU/REUTERS

Várias dezenas de intermitentes do espectáculo responderam à chamada da Coordination des Intermittents et Précaires (CIP) para ocupar uma das mais importantes instituições culturais de Paris, o Odéon – Théâtre de l'Europe, e ali se mantêm desde o final da tarde de domingo. Protestam contra a proposta de renegociação das condições de acesso ao subsídio de desemprego que a principal organização patronal francesa, a Medef, colocou em cima da mesa – têm ainda esperança de reverter com acções como esta e outras ocupações temporárias em cidades como Lille (Théâtre du Nord), Caen (Comédie de Caen), Montpellier (Humain Trop Humain), Bordéus (Théâtre National de Bordeaux-Aquitaine) ou Toulouse (Théâtre National de Toulouse), algumas das quais ainda em curso.

Os manifestantes, a que se juntaram entretanto membros do movimento de estudantes Nuit Debout, há várias semanas instalado na Place de la République, chegaram ao teatro parisiense às 18h30, no final de uma representação de uma peça protagonizada pela actriz Isabelle Huppert (uma encenação do polaco Krzysztof Warlikowski a partir das Fedras de Wadji Mouawad, Sarah Kane e J. M. Coetzee). Desde então, uma parte da fachada do teatro passou a estar coberta por uma faixa onde se lê "De l'argent, il y en a, construisons de noveaux droits" ("Dinheiro, há; construamos novos direitos").

Ao princípio da noite de segunda-feira, decorridas mais de 24 horas após o início do protesto, cerca de 40 ocupantes permaneciam ainda dentro do teatro, entretanto cercado por um cordão da polícia anti-motim, que terá – acusa a CIP no seu Facebook  usado gás lacrimogénio para dispersar as cerca de 150 pessoas concentradas diante do Odéon para demonstrar o seu apoio às reivindicações dos intermitentes. 

"Escolhemos este teatro porque é um teatro público, no qual sentimos legitimidade para trabalhar", disse uma das manifestantes à France Info, adiantando que o plano de realizar no Odéon a assembleia-geral marcada para a noite de segunda-feira se mantinha, apesar do reforço policial no exterior.

Os ocupantes do Odéon dizem-se em "completo desacordo" com o rumo das negociações acerca das novas regras de protecção no desemprego para os intermitentes do espectáculo e do audiovisual, que devem ficar concluídas até à próxima quinta-feira, dia 28. A ocupação em curso é assumida pela classe como uma forma de influenciar o processo de decisão nesta semana que será decisiva para o sector. Paralelamente, foram convocadas pela CIP e pela Fédération Nationale des Syndicats du Spectacle, du Cinéma, de l'Audiovisuel et de l'Action Culturelle  CGT Spectacle manifestações junto ao Ministério do Trabalho, onde decorrem as negociações.

O documento-base entretanto avançado pela principal organização patronal francesa (e que a ministra da Cultura Audrey Azoulay já veio considerar "uma provocação") sugere um aumento das quotizações dos intermitentes para atingir uma poupança de 185 milhões de euros até 2018 – num sistema que terá um défice acumulado de 950 milhões de euros. Mas a CIP, os sindicatos do sector e até outras organizações patronais contrapõem que o esforço a exigir aos trabalhadores do audiovisual e do espectáculo é "desmesurado" tendo em conta o seu peso (que é de apenas 4%) no universo dos desempregados com direito a subsídio, e discordam também da proposta da Medef para que o Estado financie directamente o sistema injectando uma contribuição adicional de 80 milhões de euros. "Preferimos que o Estado invista na criação de emprego cultural do que no subsídio de desemprego", declarou ao Le Monde Claire Guillemain, presidente da Fédération des Entreprises du Spectacle Vivant, de la Musique, de l'Audiovisuel et du Cinéma (FESAC). 

Festivais em risco

Os intermitentes ameaçam endurecer a luta se vierem a ser aprovadas alterações que precarizem o actual estatuto dos trabalhadores do sector, que desde 1936 beneficiam de um regime específico destinado a garantir protecção no desemprego num meio em que o trabalho é tradicionalmente descontínuo e em que os intervalos entre contratos tendem a ser prolongados. Inicialmente desenhado para a indústria do cinema, o regime foi com os anos alargado a todos os sectores do espectáculo, incluindo as artes do palco. 

O espectro da crise dos intermitentes de 2003, que culminou no drástico cancelamento do Festival d'Avignon, e mais recentemente dos veementes protestos de 2013 que puseram em causa a realização de vários acontecimentos do Verão cultural francês, paira agora sobre as negociações. O aviso ficou dado há umas semanas em plena conferência de imprensa do Festival de Cannes: "Seria uma pena que os festivais não tivessem lugar."

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