Lily Allen: “Ninguém nos diz: é stalking e vamos proteger-te”

Numa entrevista exclusiva ao The Guardian, a cantora revela ter sido vítima de perseguição durante sete anos. Portugal assinala esta segunda-feira o dia nacional de sensibilização do Stalking/Assédio Persistente.

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Lily Allen nos prémis BAFTA em 2014 AFP PHOTO / ANDREW COWIE

Em 2006, Lily Allen apareceu no mundo da música com o tema Smile, que entrou directamente para o número 1 da tabela de vendas. Numa semana, vendeu mais de 40 mil cópias. Três anos depois, Allen conheceu um lado mais negro da exposição mediática.  Em 2009, Alex Gray criou uma conta numa rede social intitulada @lilyallenRIP reclamando a autoria do tema da cantora The Fear. Seguiram-se cartas violentas, acusações, ameaças de suicídio. “Ele deixava essas cartas na minha editora, no escritório do meu manager, na loja da minha irmã, no meu apartamento”, contou a cantora ao jornal britânico The Guardian.

 

 

Uma noite, a cantora estava em palco e viu um cartaz: “Eu escrevi The Fear”. A cantora chegou ao fim da canção mas apressou-se a chamar a polícia, a quem já havia mostrado as cartas com as ameaças. Emprestaram-lhe um botão de pânico, mas pediram-lhe que o devolvesse ao fim de alguns meses. Até que um dia a cantora recebeu uma chamada da polícia dizendo que Allen Gray estava de novo “activo”: “Não sabia o que aquilo queria dizer. Fiz a minha própria investigação, contratei um advogado, tomei medidas para proteger a minha família. Nem sabia como era a cara dele”, conta a cantora. Mais tarde a polícia viria a mostrar-lhe uma fotografia de Allen, mas apenas por breves instantes.

O stalking – assédio persistente - é uma forma de violência na qual uma pessoa impõe sobre outra uma série de comportamentos de assédio indesejados ou intrusivos, de forma insistente. De acordo com o The Guardian, há 700 mil vítimas de stalking no Reino Unido todos os anos. Com o apoio de Lily Allen, o partido britânico da Igualdade da Mulher pôs em marcha um pedido de registo dos stalkers, tal como existe com os abusadores sexuais. Apenas 1% dos casos de perseguição e 16% dos casos de assédio culminam em acusações, refere o jornal britânico.

Em Portugal, quase meio milhar de pessoas, principalmente mulheres, queixou-se em 2015 de perseguição. Um tipo de agressão que é crime desde Setembro, com uma alteração ao Código Penal (lei 83/2015). De acordo com a lei, quem, "de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, directa ou indirectamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até três anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber, por força de outra disposição legal".

Num relatório da Universidade do Minho sobre stalking, de 2012, coordenado por Marlene Matos, afirma-se que uma em cada cinco pessoas entrevistadas admitiu ter sido vítima deste crime, em algum momento. Um fenómeno que atinge cidadãos comuns e figuras públicas. O caso mais conhecido em Portugal é o de uma mulher que, em 2010, foi condenada por perseguição do músico António Manuel Ribeiro. O vocalista dos UHF disse na altura ter recebido da stalker 1900 mensagens e ameças de morte.

Em 2015, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) recebeu 445 queixas de pessoas por perseguição, mais 104 casos do que em 2014, segundo dados da instituição. Fonte da PSP, contactada pela Lusa, não precisou o número de queixas feitas na polícia, mas admitiu que há casos e que têm vindo a aumentar. Portugal assinala o Dia Nacional de Sensibilização de Stalking esta segunda-feira, 18 de Abril, com o lançamento de um folheto informativo da APAV.

“Ninguém nos diz: é stalking mas vamos proteger-te”

Foi em Outubro do ano passado que a situação atingiu um ponto limite para Lily Allen. Nessa noite, deixou queimar o jantar. “Tinha todo o tipo de fechaduras, mas como queimei a panela abri a porta das traseiras. Fechei-a, mas esqueci-me de a trancar quando me fui deitar”, recorda. Acordou durante a madrugada com um homem a entrar em sua casa, a insultá-la, aos gritos. Em casa, para além da cantora, estavam as duas filhas menores e uma amiga, que acabou por forçar o homem a sair.

Não ficou provado que tivesse sido Allen Gray a invadir a casa naquela noite, mas a polícia receberia mais tarde um email do homem, reenviado pela irmã, em que dizia que estava em Londres para matar uma celebridade. Uma semana mais tarde, Lily Allen chegou a casa e encontrou a mala queimada e cortada. A polícia, defende a cantora, desvalorizou a importância do caso.

“Sempre que tentava falar com alguém sobre isso era como esbarrar contra uma parede. É difícil de descrever quando não há uma definição, quando a polícia diz ‘ok, é um roubo se quiser que esse homem vá preso’, mas eu não queria saber da minha mala. O que me interessava é que esse homem dizia que me queria espetar uma faca na cara”. A cantora descobriu pouco depois deste incidente que as cartas de 2009 que tinha entregue à polícia tinham sido destruídas, de acordo com o "protocolo policial".

Só sete anos depois, e provado o assalto ocorrido em 2015, é que a cantora conseguiu avançar com uma queixa por assédio. Allen Gray, que sofrerá de distúrbios mentais, foi condenado por roubo e assédio. A sentença vai ser conhecida em Maio.

O caso, diz Lily Allen, deixou-lhe marcas: é mais insegura, tem uma vida social mais limitada, pensou em pôr um ponto final à sua carreira. Tornou-se quase uma eremita, conta. “Ninguém nos diz: ‘ sim, isso é stalking, é perigoso e assustador, mas vamos proteger-te’.

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