Em Arroios ergueu-se uma “república” para cidadãos sem-abrigo

A República de Arroios será “um espaço pequeno de integração” com três residentes fixos e um quarto para situações de emergência.

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O senhor António, de 58 anos, está à janela de um prédio perto da Praça do Chile, em Lisboa, e observa atentamente o movimento da rua, com uma chave para a sua nova casa ao pescoço. Até esta quarta-feira dormia “na pedra, com uns cobertores”, na Rua José Estevão, na mesma zona. Agora recebeu um tecto – é um dos três residentes da República de Arroios, um projecto da junta de freguesia local em parceria com o Centro Social e Paroquial de São Jorge de Arroios para alojar pessoas em situação de sem-abrigo.

A República é uma casa com quatro quartos, uma sala, uma varanda e uma casa de banho e terá três residentes fixos e um quarto livre para situações de emergência. É “um espaço pequeno de integração”, resume Margarida Martins, presidente da junta, durante a inauguração da casa e assinatura dos contratos com os três inquilinos, um acto em que participaram também o vereador dos Direitos Sociais da Câmara Municipal de Lisboa, João Afonso, e Pedro Cardoso, do Centro Social e Paroquial de São Jorge de Arroios.

A República funcionará como “uma república de estudantes”, compara Hugo Marques, assistente social na junta onde estão identificadas 40 pessoas sem-abrigo. “Cada um tem o seu espaço” mas “há espaços comuns” e as despesas fixas, como a água, luz, televisão e telefone, serão divididas por todos. “O senhor António beneficia de Rendimento Social de Inserção e os senhores Carlos e Hermenegildo têm o apoio da Santa Casa de Misericórdia”, exemplifica, frisando que haverá uma equipa a dar apoio durante o processo de transição.

As três pessoas seleccionadas para esta casa – António, Carlos de 62 anos e Hermenegildo de 64 – já estavam sinalizadas pelo projecto Nova Vida Sem Abrigo, que todas as quintas-feiras à noite, desde Outubro de 2014, presta apoio às pessoas nesta situação na freguesia. A idade, a saúde e “a vontade que manifestaram nestes últimos dois anos” foram factores determinantes para a selecção, explica ao PÚBLICO Hugo Marques, sublinhando que “são pessoas que têm um passado de muitos anos na rua”.

Quanto ao financiamento, a junta investiu dois mil euros, conseguiu outros dois mil euros de uma empresa para mobilar e equipar a casa e assegurará a renda mensal de 570 euros. Ao Centro Social e Paroquial de São Jorge de Arroios caberá o apoio alimentar, a limpeza da casa e o fornecimento de roupas.

Num dos quartos, há algumas roupas novas em cima da cama, no balcão da cozinha há pães, bolos e sumos. António diz-se “satisfeito”. “Nunca pensei que isto algum dia acontecesse, estou estupefacto”, diz em voz baixa, à porta do seu quarto novo que “ainda por cima tem uma janela virada para a rua”. “Sair da rua para dentro de casa já é um patamar, mas podemos ir subindo patamares. A questão do emprego, por exemplo. Mas é um patamar de cada vez, não pode ser tudo no mesmo dia”, reconhece. “Acho que para o torto não vai dar. Já conhecia as pessoas que vão viver aqui. São duas pessoas estáveis. A casa é muito bonita, eu gosto.”

Em Lisboa há cerca de 800 pessoas sem-abrigo, diz João Afonso, vereador da Câmara Municipal de Lisboa. Entre os projectos da autarquia para combater esta situação, estão a diversificação das respostas habitacionais, a criação de um centro de emprego especializado para as pessoas sem-abrigo. Neste projecto, a Câmara de Lisboa fará um “acompanhamento técnico”. “Para o programa municipal temos previsto 1,5 milhões de euros de investimento para as pessoas sem-abrigo”, adianta.

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