Saúde quer fazer menos 225 mil urgências este ano. Falta é saber como

Adalberto Campos Fernandes quer reduzir as horas extra dos médicos para menos de metade. Défice do SNS no ano passado foi de 259 milhões de euros.

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Ministro da Saúde falava no I Fórum dos Hospitais “Os Hospitais - Reforma do Serviço Nacional de Saúde Fernando Veludo

O Ministério da Saúde quer fazer menos 225 mil atendimentos em serviços de urgência este ano, uma redução de 3,7% em quantidade, enquanto ao mesmo tempo pretende cortar a despesa nesta área em 10%. O objectivo de redução dos episódios de urgência está expresso na nota explicativa do Orçamento de Estado (OE) para 2016, que ontem foi explicitado no Parlamento pelo ministro Adalberto Campos Fernandes.

Ouvido no âmbito da discussão na especialidade do OE, o governante não foi questionado pelos deputados sobre esta matéria, mas, na sua primeira intervenção parlamentar, já tinha adiantado que queria cortar 10% nas urgências, cerca de 48 milhões de euros. Agora, fica a saber-se que a percentagem de redução do número de urgências é bem inferior, o que faz pensar que os valores ou a forma de pagamento deverão ser alterados. Em 2015, houve mais de 6,1 milhões de episódios de urgência. Um estudo recentemente divulgado coloca Portugal no primeiro lugar na procura dos serviços de urgência per capita, num conjunto de países da OCDE.

Actualmente, os serviços de urgência  - que se dividem, por grau de complexidade, em básicos (SUB), médico-cirúrgicos (SUMC) e polivalentes (SUP) - têm uma tabela de valores recebidos pelas unidades que é diferenciada consoante o nível. Um episódio de urgência num SUB rende 10 euros ao hospital ou centro de saúde (que, além disso, recebe um milhão de euros pela disponibilidade do serviço), enquanto num SUMC vale 53,91 euros e, num SUP, 107,59 euros, segundo adiantou ao PÚBLICO a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Isto significa, na prática, que o pagamento por um doente que seja triado, por exemplo, com pulseira laranja (muito urgente) e obrigue a um tratamento de alguma complexidade seja igual ao que resulta do atendimento de um paciente com uma unha encravada.  

No Parlamento,  o ministro da Saúde adiantou apenas que a rede das urgências está em avaliação e que, até ao final deste mês, ficam concluídos os estudos e será tomada uma posição pública sobre a polémica portaria que, em 2014, definiu uma profunda reforma hospitalar, que implicaria o encerramento de muitos serviços nos hospitais.  Foi em Abril de 2014 que o anterior Governo desencadeou grande controvérsia, ao publicar uma portaria que classificava os hospitais em grupos, definia as especialidades que cada um teria (com base na população que serve) e previa o encerramento de vários serviços. Devido à contestação generalizada, a portaria não chegou a ser aplicada, apesar de ter entrado em vigor.

Agora, o ministro Adalberto Campos Fernandes assume que é preciso avançar. Considerando que "a pior coisa é fazer reformas em power point e com regra e esquadro" , o governante explicou aos deputados que as decisões sobre esta polémica matéria serão baseadas na "conjugação de duas determinantes críticas" - a "qualidade e segurança clínicas e o interesse das populações".

Ouvido na Comissão Parlamentar do Orçamento, Finanças, Modernização Administrativa, Adalberto Campos Fernandes adiantou que a contratação de mais enfermeiros e assistentes operacionais (sobretudo)  que será ao que tudo indica necessária para compensar o regresso ao regime das 35 horas semanais em Julho próximo vai implicar uma despesa suplementar que oscilará entre 28 a 40 milhões de euros no último semestre deste ano.

O ministro acrescentou que há no orçamento uma "folga de 55 milhões de euros" que permitirá que seja acautelada esta "eventual e provável necessidade de contratação de mais recursos" e ainda a concretização dos acordos colectivos dos médicos (assistentes e graduados) e a remuneração da carreira de enfermagem negociadas pelo anterior Governo.

Antes, na Comissão Parlamentar de Saúde, o governante admitira que quer também diminuir substancialmente as horas extraordinárias dos médicos que trabalham no Serviço Nacional de Saúde (SNS). “O recurso a horas extraordinárias deve representar, numa organização funcional, 3 a 4% do total e não 10 a 12% como tem acontecido nos últimos anos”, defendeu. 

O paradigma de basear o modelo remuneratório dos profissionais do SNS em baixos salários compensados com "o recurso excessivo e inapropriado" ao trabalho extraordinário deve ser alterado, sustentou o governante, sem explicar, porém, como é que isso será operacionalizado. O que já está assente, como já tinha sido dito, é que o défice do SNS em 2015 foi bem superior ao que tinha anunciado. "Os 259 milhões de euros negativos [e não 30 milhões, como se previa] não se vão evaporar", lamentou. Esta derrapagem orçamental fica a dever-se ao aumento dos gastos com medicamentos, como o da hepatite C e alguns oncológicos, e dos exames, como as colonoscopias, entre outras coisas.

Acordo da hepatite C renegociado
Sublinhando que o SNS nunca conseguirá pagar aos médicos tão bem como os privados, o ministro acredita que isso poderá ser compensado oferecendo-lhes outro tipo de recompensas que possam conduzir à realização profissional. O que não pode continuar a acontecer, enfatiza, é que seja o "mal trato" a fazer com que profissionais experimentados saiam do SNS. Mais tarde, Adalberto Campos Fernandes explicou que o orçamento do SNS para este ano prevê uma receita suplementar de 139 milhões de euros, 84 milhões dos quais serão utilizados na "reversão directa das remunerações". 

O ministro aproveitou também para convidar os deputados a olharem com atenção para o renovado Portal da Saúde que disponibiliza muitas informações. "Perguntem aos hospitais qual é a resposta que têm", quando, por exemplo, encontrarem tempos de espera muito elevados nos hospitais, desafiou, considerando "inadmissível" que haja horas a fio de espera nas urgências.

De resto, ao longo de mais de seis horas no Parlamento, o governante voltou a afirmar que vai abrir este ano as primeiras vagas para cuidados continuados pediátricos e de saúde mental e comprometeu-se a reforçar a resposta pública nas redes de cuidados continuados e de paliativos que o sector social não consegue garantir. Uma das hipóteses em estudo passa pela transformação de um pavilhão do Hospital Pulido Valente, em Lisboa. 

A nota explicativa do Ministério da Saúde sobre o Orçamento do Estado (OE) para 2016 destaca um agravamento de 229 milhões de euros do défice do SNS face à previsão inicial, que é justificado com o decréscimo dos impostos indirectos, menos 102 milhões de euros.  As compras de medicamentos também aumentaram 114 milhões de euros em comparação com o orçamento de 2015, o que reflecte “o impacto do financiamento do programa para o tratamento da hepatite C crónica que não estava previsto no orçamento inicial".

Sobre os gastos com os medicamentos da hepatite C, o ministro da Saúde adiantou aos jornalistas, no final da audição parlamentar, que o acordo com o laboratório que comercializa os fármacos está já ser renegociado, porque em 2015 a despesa ascendeu a cerca de 40 milhões de euros, prevendo-se que suba para 85 milhões de euros este ano. O acordo previa o gasto de 100 milhões de euros em cinco anos.

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