Iranianos deram a Rouhani o trunfo do voto popular

Ala pragmática assume protagonismo, negando aos conservadores domínio sobre o Parlamento e a Assembleia dos Peritos. Presidente com mandato reforçado para concretizar reformas económicas.

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Rouhani poderá contar com um Parlamento menos hostil às reformas económicas e sociais que tem na sua agenda Reuters

Os iranianos validaram nas urnas a política de abertura do Presidente Hassan Rouhani, com os seus aliados a arrecadarem uma vitória maior do que as purgas feitas pelo regime antes das eleições deixavam adivinhar. Resultados que dão um forte impulso à sua reeleição e alteram o equilíbrio de forças vigente em Teerão – depois uma década de domínio dos ultraconservadores, a ala pragmática assume o protagonismo, ainda que o poder real continue nas mãos de quem não foi eleito.

Terminada a contagem dos votos, o Ministério do Interior confirmou que a lista que uniu os candidatos reformistas e moderados elegeu a totalidade dos 30 deputados em disputa nestas legislativas pelo círculo de Teerão. Na anterior legislatura, apenas dois deputados eleitos pela capital não pertenciam à ala conservadora, uma consequência do boicote dos reformistas às legislativas de 2012.

Os conservadores obtiveram melhores resultados nas províncias, mas a frente unida dos aliados de Rouhani afastou do Parlamento alguns dos deputados que mais batalharam contra o acordo nuclear – a prioridade do Presidente, que conduziu ao fim das sanções internacionais, em Janeiro. Entre os excluídos está Gholam Haddad Adel, antigo presidente do Parlamento que encabeçava a lista de “principalistas” em Teerão, ou Mehdi Koochakzadeh, que chamou “traidor” ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Javad Zarif, principal rosto iraniano nas negociações com as grandes potências, apesar de estas terem tido a benção do Supremo Líder, o ayatollah Ali Khamenei.

No sistema político iraniano, onde as alianças ocasionais têm mais força do que os partidos e muitos deputados são eleitos fora de listas, não é ainda claro quem dominará o Parlamento, tanto mais que dezenas de lugares só serão preenchidos depois de uma segunda volta (necessária nos círculos onde ninguém obteve 25% dos votos). Nesta segunda-feira, os dois campos reivindicaram a maioria, mas parece certo que Rouhani terá pela frente um Parlamento mais favorável às reformas para revitalizar a economia iraniana e abri-la ao investimento estrangeiro – além do bloco moderado, poderá angariar apoios entre as dezenas de independentes e mesmo entre conservadores como Ali Larijani, o pragmático presidente da Assembleia cessante.  

“Estas eleições são um ponto de viragem na história da República Islâmica”, escreveu em editorial o jornal moderado Mardom-Salari, cujo director foi um dos eleitos em Teerão. Para a publicação, “o principal feito destas eleições é o regresso dos reformistas ao sistema político, que deixarão de poder ser chamados de sediciosos ou agentes infiltrados”.

A dimensão da vitória de Rouhani – que deve ser sempre temperada com o reconhecimento de que no Irão a república coabita e está sob a tutela da teocracia – lê-se também nos resultados para a Assembleia dos Peritos, a quem compete a eleição do Supremo Líder. A lista encabeçada pelo antigo Presidente Akbar Hachemi Rafsandjani e que integrava o próprio Rouhani elegeu 15 dos 16 lugares em disputa por Teerão, ficando muito próxima de atingir aquele que era o seu objectivo principal: a exclusão de três ayatollahs ligados à linha mais conservadora do regime, incluindo o actual líder da instituição. Dos três, apenas o ayatollah Ahmad Jannati, líder do poderoso Conselho dos Guardiões, conseguiu ser eleito, ainda assim num humilhante 16º lugar.

Vários representantes da linha mais dura da teocracia iraniana foram eleitos por outras províncias e alguns nomes na lista de Rafsandjani são, na verdade, conservadores. Mas a próxima Assembleia terá um cunho menos extremista, o que pode ser determinante caso, nos oito anos de mandato, seja chamada a eleger o sucessor de Khamenei, com 76 anos e vários problemas de saúde.

A reacção dos conservadores
Os resultados só serão finais depois de ratificados pelo Conselho dos Guardiões – o mesmo organismo, tutelado por Khamenei, que vetou metade dos candidatos iniciais às eleições. Não é provável uma inversão dos resultados, mas os centristas não escondem a ansiedade com a reacção de quem tem o poder real nas mãos, seja de Khamenei, seja dos cada vez mais influentes Guardas da Revolução, que além da defesa do regime controlam boa parte da economia.

O Supremo Líder limitou-se a afirmar que o desenvolvimento de que o país precisa “não pode ser superficial, sem independência nem integridade nacional”. Mas outros foram mais explícitos. O ayatollah Sadegh Larijani, líder do sistema judicial, acusou os moderados de se terem coordenado “com os media britânicos e americanos para eliminarem alguns servidores do povo”. E o director do jornal Kayhan, visto como a voz de Khamenei, lembrou Rouhani que “nenhuma facção pode mudar as políticas assentes nos princípios fundamentais” da República Islâmica.

Apesar das esperanças dos reformistas e dos receios dos ultraconservadores, na agenda do Governo há pouco espaço para mudanças sociais ou políticas. “É tempo de abrir um novo capítulo no desenvolvimento económico do Irão baseado nas capacidades nacionais e nas oportunidades internacionais”, disse Rouhani, ansioso por transformar o fim das sanções em crescimento económico a tempo das presidenciais, já em 2017. Negociador hábil, conhece as resistências que tem pela frente, mas como fez questão de afirmar “o povo mostrou uma vez mais o seu poder e deu mais credibilidade e força ao Governo eleito”.  

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