O colectivo de arquitectos e designers que conquistou o Turner com uma urbanização social
É a primeira vez que o prémio mais prestigiado da arte contemporânea no Reino Unido não é entregue a artistas, no sentido restrito da palavra.
O Guardian chama-lhes os “não-artistas” que conquistaram o maior prémio da arte contemporânea no Reino Unido. O colectivo Assemble, constituído por 18 arquitectos e designers, venceu o prestigiado Prémio Turner com o projecto social de transformação de uma urbanização em Liverpool.
À 31ª edição, venceu a consciência social, depois de em 2014, em que foi distinguido irlandês Duncan Campbell, se terem multiplicado as críticas de que as escolhas de então eram demasiado obscuras, esotéricas e inapreensíveis. Este ano, o prémio é atribuído ao colectivo, sedeado em Londres, conhecido por recorrer às artes, à arquitectura e ao design para criar projectos próximos das comunidades locais.
Foi o que fizeram na zona de Granby Four Streets em Toxteth, nos arredores de Liverpool, onde várias casas estavam abandonadas há muito tempo. A acção começou com os próprios moradores e acabou com a ajuda do colectivo que transformou dez residências abandonadas em espaços práticos e com efeitos sociais para a comunidade. É a arquitectura a favor da comunidade. É tornar os espaços abandonados em algo que possa ser usado por todos.
O júri, constituído este ano por Alistair Hudson (director do Middlesbrough Institute of Modern Art, em Inglaterra), Jan Verwoert (crítico e curador), Joanna Mytkowska (directora do Museu de Arte Moderna de Varsóvia, na Polónia) e Kyla McDonald (directora artística do Glasgow Sculpture Studios, na Escócia), destacou a forma como estes arquitectos e designers abordam os seus projectos. Regeneração, planeamento urbano e desenvolvimento é o que este colectivo faz, em oposição à gentrificação empresarial a que assistimos nos nossos dias, defende o júri.
“Eles recorrem a uma longa tradição de iniciativas artísticas e colectivas que fazem experiências na arte, no design e na arquitectura. Ao fazerem isso oferecem modelos alternativos com os quais a sociedade pode trabalhar”, justifica ainda o júri, defendendo que o projecto desenvolvido em Granby Four Streets “mostra a importância da prática artística ser capaz de conduzir e moldar questões urgentes”.
Quando em Maio os finalistas foram anunciados, aos jornalistas, a directora da Tate, que promove o Turner, disse que todos os arquitectos e designers do Assemble têm menos de 30 anos e dividem um estúdio em Londres. “São como um colectivo modernista dos anos 1930. Todos os dias se sentam à mesa, ao almoço, a discutir os projectos e não aceitaram a nomeação [ao prémio] até que todos estivessem de acordo”, revelou então Penelope Curtis.
Segundo o Guardian, estes 18 arquitectos e designers são os mais novos de sempre a conquistar este prémio no valor de 25 mil libras (cerca de 35 mil euros).
Na cerimónia do Turner, que aconteceu nesta segunda-feira à noite em Glasgow, o colectivo fez questão de levar consigo algumas das pessoas que trabalharam com eles em Liverpool. Quando Kim Gordon, a ex-Sonic Youth que teve a responsabilidade de entregar o prémio, anunciou os vencedores, não houve um membro do colectivo que não se tivesse mostrado surpreendido.
“A nomeação já tinha sido uma surpresa e os últimos seis meses têm sido uma experiência super surreal”, começou por dizer Joseph Halligan, um dos membros do Assemble, ao receber o Turner. “Mas deu-nos esta oportunidade de começar alguma coisa – o Granby Workshop [uma loja social em Liverpool na urbanização que criaram] – que esperamos que exista por muito, muito, muito tempo. Estamos muito agradecidos”, acrescentou ainda.
A escolha do colectivo, no entanto, não foi pacífica no meio artístico. Nunca um projecto como o Assemble havia sido considerado para o Turner, que no passado distinguiu artistas como Damien Hirst.
À BBC, o crítico de arte do Daily Telegraph defendeu que o trabalho deste colectivo não é arte e por isso nem a nomeação ao prémio fazia sentido, quanto mais a vitória. “Funciona muito bem como arquitectura. Porquê falar disso como arte?”, argumentou Mark Hudson. “É óptimo que a arte possa ser útil mas só porque é útil não tem de ser arte.”
Esta é uma polémica que se alastrava já desde que os nomeados foram anunciados. O Assemble concorria com Bonnie Camplin, que transformou a South London Gallery numa espécie de arquivo e o visitante num investigador, Nicole Wermers, nascida na Alemanha e a viver em Londres, e que foi escolhida pela exposição Infrastrukur; constituída por esculturas, colagens e instalações que exploram a apropriação da arte e do design na cultura do consumo, e Janice Kerbel, com DOUG, uma performance operística a seis vozes sobre uma personagem chamada Doug que vive nove acontecimentos catastróficos.
Na altura, no Guardian lia-se como havia artistas óptimos no Reino Unido que o júri parecia ter ignorado, enquanto o Telegraph considerava a lista de finalistas ao Turner como uma “horrorosa surpresa”.
Para os membros do colectivo agora premiado esta é uma discussão na qual preferem não entrar, defendendo nunca se terem definido como artistas. “É uma conversa que simplesmente não temos. O que significa ser artista? Não há uma resposta a isso”, defendeu ao Guardian um dos jovens do colectivo, Anthony Engi-Meacock. Já para o seu colega Fran Edgerley o que interessa é o trabalho que fazem e não as etiquetas.
O Prémio Turner é um dos momentos mais aguardados do calendário da arte contemporânea. Distingue artistas até aos 50 anos que se tenham destacado em exposições ou em outro tipo de apresentações durante aquele ano. Em Outubro, foi inaugurada na Tramway, em Glasgow, uma exposição colectiva em que os quatro artistas apresentam os trabalhos com os quais foram seleccionados.