Os olhos de Wenders voam em 3D e Moretti recusa fazer autoterapia com os filmes

Duas conferências de imprensa no Lisbon & Estoril Film Festival com vista para os novos filmes e as impressões digitais de dois cineastas europeus.

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“É uma bela ferramenta [o 3D] para olhar para o mundo, e não para outros mundos” - Wim Wenders Enric Vives.Rubio
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"Desde sempre que faço filmes sobre as minhas obsessões, tiques, manias, neuroses. Mas fico sempre igual” - Nanni Moretti Enric Vives.Rubio

O olhar de Wim Wenders perde-se no mar frente ao Estoril enquanto pondera as respostas. Sobre o 3D aplicado a um filme dramático, Tudo Vai Ficar Bem, que traz ao Lisbon & Estoril Film Festival (LEFFEST) e que estreia nas salas no dia 12, o alemão absorve a imagem e escolhe as palavras. Não parece optimista. “É talvez um dos meus maiores medos que esta linguagem desapareça sem ter sido verdadeiramente usada.” Dois cineastas, dois olhares: horas depois, Nanni Moretti elogia o colega - “um mestre entre os realizadores da minha geração” - pela sua capacidade de arriscar, e poisa os olhos na mesa.

A sexta-feira do festival de cinema, que decorre até dia 15 entre Lisboa e o Estoril, foi de Wenders e de Moretti. Entrevistas, esperas e filmes. Depois de uma ida de sucesso ao último Festival de Cannes levando na bagagem Minha Mãe (estreia a 26), Nanni Moretti traz a Lisboa este convite para que voltemos a procurar na sua obra traços autobiográficos. O seu último filme é sobre a morte de uma matricarca e a sua mãe morreu em 2010, quando o realizador italiano rodava Habemus Papam – Temos Papa. Ainda assim, Moretti faz questão de dizer aos jornalistas, quando a penumbra cai sobre a marginal do Estoril, que este é um filme "pessoal, não privado”.

"Fico sempre igual"
“Um pouco comédia, um pouco drama. Sempre foi este o meu modo de contar histórias através do cinema.” A personagem principal é uma mulher, uma realizadora com traços de Moretti mas sem uma porta escancarada para a sua intimidade. Minha Mãe, riposta sem hesitar, não o ajudou a fazer o luto: “No meu caso, o cinema não funciona como autoterapia. Desde sempre que faço filmes sobre as minhas obsessões, tiques, manias, neuroses. Mas fico sempre igual.”

É também uma mescla de registos, ou níveis como lhes chama o italiano. Sonho, recordação, um filme dentro de um filme. Numa dessas camadas, faz-se fila em Roma para ir ao cinema. Now playing: As Asas do Desejo, de Wim Wenders. A referência no filme é uma referência para Moretti. “É um mestre entre os realizadores da minha geração. Um realizador que experimenta sempre, que nunca se contenta com o resultado final”, explica, olhos sempre a rodear a mesa escura na sala cheia. E Wenders, que o antecedeu na mesma sala horas antes, faz “algo que é muito importante para um realizador”, acrescenta. “Alterna filmes de ficção e documentário.”

Tudo Vai Ficar Bem é a primeira longa de Wenders em quatro anos (desde o documentário Pina, sobre a coreógrafa alemã Pina Bausch) e é James Franco e Charlotte Gainsbourg em tumulto com o facto de a personagem de Franco matar acidentalmente o filho de Gainsbourg. Sem seres espaciais ou super-heróis, é um drama filmado em 3D na Terra. Experimentar, sempre. O que é que o 3D tem que enriqueça um filme dramático? “É óbvio o que acrescenta a outros filmes de acção, de animação – torna-os mais artificiais e acrescenta uma sensação de excitação ou entretenimento. E acredito firmemente que o 3D foi realmente inventado para fazer o oposto: é a linguagem ideal para entrar na realidade e não para criar realidades separadas”, responde ao PÚBLICO na conferência de imprensa de sexta-feira à tarde, tendo a seu lado o produtor e organizador do festival, Paulo Branco.

Um drama em 3D que causou, diz o realizador de 70 anos, reacções fortes no sector – “a indústria não está muito agradada comigo” por insistir numa ferramenta que aplica a outras aventuras, “não compreendeu”. “Para o que é que precisamos disto?”, mimetiza. A perda da oportunidade de explorar a proximidade e as emoções que o 3D revela nos actores “pode ser um dos grandes escândalos da história do cinema”, diz.

Olhar para o mundo
É um tema que lhe é caro, 11 anos depois de Viagem a Lisboa e 21 depois de Paris, Texas (Palma de Ouro em Cannes). “Estou surpreendido que não haja muitos outros realizadores a usar esta linguagem que não para a fantasia”, defende, “é a melhor coisa que o cinema inventou para nos levar para o interior da vida de alguém”. E o 3D como Wenders e outros, muito poucos , o conhecem pode desaparecer, conta na pequena sala cheia em cima do mar, porque “as pessoas estão a ficar fartas” dele – “mesmo o meu filme, as pessoas dizem-me ‘o 3D não é para nós’”. Insiste: “É uma bela ferramenta para olhar para este mundo e não para outros mundos.”

Tudo Vai Ficar Bem, baseado no romance do também guionista norueguês Bjorn Olaf Johannessen, estreia-se em Portugal dia 12, mas tem a sua antestreia neste sábado no LEFFEST, no mesmo dia em que inaugura a sua exposição de fotografia À luz do dia até os sons brilham na Mãe d’Água, em Lisboa. São 28 imagens de Portugal feitas pelo realizador entre 1980 e 94 enquanto fazia repérage e pesquisa e que até aqui nunca tinham sido sequer impressas. A fotografia “é metade da minha vida”, disse ao jornal britânico The Telegraph há alguns meses, o mesmo tempo há que conhece Portugal. Elogia os percebes, o calor de Novembro, tem “só recordações gloriosas” da capital portuguesa. Mas procurou na sua fotografia lugares “depois de as pessoas saírem” e que tivessem “um potencial de storytelling”.

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