Construir, destruir e voltar a construir

Em estreia absoluta, Joclécio Azevedo apresenta este sábado no Teatro Carlos Alberto, no Porto, o espectáculo Escombros, integrado no Festival Internacional de Marionetas do Porto.

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Escombros, um espectáculo que mostra a sua própria construção Paulo Pimenta
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Paulo Pimenta

Na mitologia grega, por ter desafiado os deuses, Sísifo foi condenado a um ilógico castigo: teria de transportar uma pedra até ao cimo de uma montanha e, quando estivesse prestes a chegar ao topo, a pedra rolaria montanha abaixo até ao ponto de partida, invalidando assim todo o esforço despendido. Sem questionar o sentido deste esforço, Sísifo seria obrigado a repetir eternamente a mesma acção. Foi esta inconsequente pena que levou Albert Camus a questionar o sentido da acção humana na era moderna, e em particular a mecanização resultante do trabalho.

Tal como Camus, o dramaturgo, coreógrafo e sonoplasta Joclécio Azevedo tem vindo a questionar-se sobre o sentido do nosso percurso errático na vida (artística). Um percurso muitas vezes absurdo, que costuma estar cheio de dicotomias: encontrar, perder; partir, ficar; criar, destruir. No fundo, um percurso que está constantemente a reinventar-se, ou ainda  um percurso que dá origem a vários percursos.

É precisamente esta complexa noção de que algo nunca está terminado, esta ideia de que estamos constantemente a construir e a desconstruir aquilo que concebemos, que Joclécio evoca em Escombros, hoje em estreia absoluta no Teatro Carlos Alberto, no Porto. Em cena, os intérpretes - o próprio Joclécio Azevedo, acompanhado da performer Catarina Miranda e da artista turca Ece Canli – procuram contrariar a ideia de criação – não apenas do ponto de vista artístico -  enquanto processo linear – isto é, que tem um começo e um fim. Interessa-lhes uma performance que remeta para uma noção de momento performativo “que pode ser reinventado, reapropriado, transformado continuamente”, explica ao PÚBLICO o artista brasileiro.

Escombros é um exercício performativo que, recorrendo a objectos inanimados como a madeira e o metal, quer explorar alguns “conflitos existenciais” resultantes da nossa experiência no mundo. Esta tem sido a premissa para muitos de trabalhos de Joclécio Azevedo. Quando parte para uma nova criação, o artista pega nos fragmentos daquilo que já criou e procura dar-lhe um novo sentido, “em função da colaboração dos intérpretes”. Foi também isso que aconteceu neste espectáculo, surgiram novas ideias e isso “tornou o trabalho numa coisa autónoma”, explica, destacando a importância do compositor Jonathan Uliel Saldanha na construção dos elementos sonoros. A ideia não é utilizar sons que ilustrem a acção, o objectivo é que o som seja “produzido na própria acção”, no espaço cénico, resultado da manipulação dos objectos.

O desafio a que os intérpretes se colocam é o de fazer convergir diversos elementos (som, imagem, movimento), criando uma espécie de “cidade móvel”. A ideia é evocar algo em constante construção, aluindo assim os limites de uma estrutura dramatúrgica convencional.

“As pessoas vêem-nos a ensaiar e pensam que estamos a montar uma cenografia”, confessa às tantas Joclécio de Azevedo. E reina de facto o caos no palco do Teatro Carlos Alberto. Estacas de madeira, pregos e utensílios metálicos compõem o cenário, que nos remete para uma estrutura indefinida, ainda por ser edificada. “No fundo, estamos aqui a montar uma espécie de face invisível do trabalho. Colocamos o trabalho enquanto objecto artístico, o trabalho como qualquer coisa que tem lugar dentro do teatro e que dialoga com as ilusões que o próprio teatro cria, que são também as próprias ilusões que criamos socialmente”, clarifica o coreógrafo.

Escombros é uma co-produção entre a Circular Associação Cultural e o Festival Internacional de Marionetas do Porto. Com estreia absoluta este sábado, às 21h, o espectáculo está também em cena no domingo, às 16h.

Texto editado por Luís Miguel Queirós

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