Oposição turca acusa Erdogan de “golpe de Estado civil”

Partido pró-curdo apela a um cessar-fogo imediato e incondicional dos combatentes do PKK.

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Erdogan falou na ida às urnas como “uma segunda volta” Reuters

Já se sabia que assim ia acontecer. O prazo para a formação de um governo na Turquia chegou ao fim este domingo e ninguém tem nada para mostrar aos turcos que foram às urnas no início de Junho mas, pela primeira vez desde 2002, não deram maioria ao partido no poder, o AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento), do poderoso Presidente e ex-primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan. As novas eleições serão, como anunciou na sexta-feira o próprio Erdogan, a 1 de Novembro.

Depois de ter permitido ao AKP tentar tudo e nada para encontrar parceiros de coligação, o chefe de Estado, que quer mudar a Constituição para tornar a Turquia num regime presidencialista, aceitou há uma semana o fracasso do partido que fundou. Legalmente, deveria ter dado oportunidade ao segundo partido mais votado, o CHP (Partido Social-Democrata). Na verdade, fê-lo, mas quando já não havia tempo. De tal forma estava certo disso que anunciou a data das eleições antes mesmo do fim do prazo para a formação de um executivo.

“Estamos perante um golpe de Estado civil”, acusou o presidente do CHP, Kemal Kiliçdaroglu (a Turquia teve três golpes de Estado militares, em 1960, 1971 e 1980). “Não há nenhuma lei que seja respeitada neste momento na Turquia, a democracia foi suspensa, tal como a Constituição”, disse ainda, numa conferência de imprensa na sede do partido em Ancara, transmitida em directo na televisão nacional.

Quando anunciou a data das eleições, Erdogan falou na ida às urnas como “uma segunda volta”, aquela que, espera, dará ao seu AKP os votos pretendidos. As sondagens na Turquia dizem tudo e o seu contrário, mas poucas indicam que os seus desejos possam ser alcançados.

Quem tirou a maioria ao AKP foi o partido pró-curdo HPD (Partido Democrático do Povo), que pela primeira vez concorreu com uma lista única, arriscando a possibilidade de não ultrapassar a barreira dos 10%, ficando, assim, fora do Parlamento. Ora o HDP teve 13% e a maioria dos inquéritos antecipa que possa ainda aumentar esta votação, tornando-se na terceira força política do país, à frente do MHP (extrema-direita).

Para explicar a necessidade de umas segundas eleições – e de uma nova ordem – Erdogan evoca a guerra que entretanto declarou ao “terrorismo”. O pretexto foi um ataque do autoproclamado Estado Islâmico no Sul do país mas estes jihadistas são tanto alvo de Ancara como o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), com quem Erdogan iniciou negociações de paz quando ainda dirigia o Governo.

Desde o anúncio desta nova guerra, o Governo turco diz já ter assassinado 812 membros do PKK, enquanto perdeu 56 dos seus soldados. Estas vítimas pesam na opinião pública, que temem um regresso aos piores anos de uma guerra civil de três décadas que matou 40 mil pessoas.

O líder do HDP, Selahattin Demirtas, que o Governo acusa de ligações aos combatentes armados, apelou aos membros do PKK para baixarem as armas imediatamente e sem condições. “O PKK deve abandonar as armas, os ataques às bombas nas montanhas e nas cidades”, afirmou, diante de jornalistas na cidade de Esmirna. “Para nós é a única solução possível” face “ao risco real e sério da guerra civil”.

Sobre as eleições de Novembro, Demirtas, transformado em alvo principal de Erdogan, afirmou-se tranquilo: “O AKP não vai conseguir recuperar os votos que perdeu”.

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