ICOM questiona legalidade da actual situação da Colecção SEC

DGA, DGPC e SEC reúnem esta semana. O caso da Colecção SEC "evidencia as fragilidades e ziguezagues da política museológica nacional, descuidos formais e ausência de consulta democrática", diz a secção portuguesa do Conselho Internacional de Museus

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Obra de Paula Rego na exposição com a colecção SEC que está agora no Museu do Chiado Daniel Rocha

A secção portuguesa do Conselho Internacional de Museus (ICOM) considera potencialmente ilegal a revogação do agora polémico despacho 1849-A, que a 4 de Fevereiro de 2014 decretou a incorporação da Colecção SEC nos acervos do Museu do Chiado, em Lisboa, numa decisão que, pouco mais de um ano volvido, a 6 de Julho último, o secretário de Estado Jorge Barreto Xavier decidiu reverter.

Com o despacho 1849-A cumpria-se uma das formas de incorporação de obras de arte em colecções públicas previstas pela Lei-Quadro dos Museus Portugueses (LQMP), lê-se num comunicado publicado na sexta-feira no site do ICOM Portugal. Já o despacho 7863/2015, que retira ao Chiado as mais de mil obras de arte da Colecção SEC, poderá não constituir uma forma legal de “desincorporação”.

“A LQMP [de 2004] não prevê a desincorporação, a exemplo da maioria da legislação internacional sobre esta matéria”, lê-se no comunicado do ICOM. Que esclarece: “Os bens culturais incorporados em museus não são passíveis de alienação, por motivos benévolos de prevenção da sua venda ou de outras formas de consideração dos acervos como activos financeiros a que se opõe o Código do ICOM.”

Segundo o ICOM, a desafectação de bens culturais do domínio público exige neste momento ouvir a Secção dos Museus, da Conservação e Restauro e do Património Imaterial do Conselho Nacional de Cultura (CNC), o que Barreto Xavier não terá feito.

O facto de Barreto Xavier não ter ouvido os especialistas em museus com assento no CNC já antes tinha sido referido pelo anterior presidente do ICOM Portugal, o arqueólogo Luís Raposo, num artigo de opinião no PÚBLICO.

“Aqui chegados, não é clara a situação factual e legal da Colecção SEC nem o seu destino”, lê-se ainda no comunicado da comissão nacional do ICOM, que afirma que a reafectação da colecção à Direcção-Geral das Artes, um organismo administrativo não museológico, “é susceptível de abrir um perigoso precedente”, por “deixar ao arbítrio de qualquer tutela pública ou privada a desincorporação de acervos de museus e a sua afectação a entidades de outra natureza e sem vocação para o cumprimento das funções museológicas”.

A reafectação da Colecção SEC à Direcção-Geral das Artes, em vez de ao organismo competente, que seria a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), foi a forma de a secretaria de Estado da Cultura retirar a Colecção SEC ao Museu do Chiado. Sob titularidade da DGPC, a Colecção SEC teria quase forçosamente de ser incorporada nos acervos do único Museu Nacional de Arte Contemporânea, não sendo evidente, à luz da lei portuguesa, que a sua totalidade ou parte pudesse ser gerida pelo Museu de Serralves, resultado de uma parceria público-privada, dizem alguns especialistas (mediante um acordo de depósito, válido pelo menos até 2027, Serralves é responsável por 550 obras da Colecção SEC).

Precisamente, com a sua decisão de 6 de Julho último, Barreto Xavier alegou querer resolver aquilo que diz ter sido uma “disputa gestionária” entre o museu lisboeta e o museu portuense, num caso que culminou na demissão do director do Chiado, David Santos.

“O atropelamento do superior interesse público revela-se neste caso sem que, uma vez vez mais, sejam conhecidas razões estruturais e relevantes para a irreflectida decisão tomada”, conclui o comunicado do ICOM, que começa por fazer uma dura critica à secretaria de Estado da Cultura: “Este caso evidencia as fragilidades e ziguezagues da política museológica nacional, descuidos formais e ausência de consulta democrática.”

O texto vem assinado pela Comissão Nacional do Conselho Internacional de Museus, cuja direcção é composta por José Alberto Ribeiro (presidente), director do Palácio Nacional da Ajuda, Joana Sousa Monteiro (Museu de Lisboa), Mário Nuno Antas (Museu Nacional de Arqueologia), Dália Paulo (Museu Municipal de Loulé) e José Gameiro (Museu de Portimão).

Ao PÚBLICO, em resposta a um pedido de consulta dos dossiers relativos à Colecção SEC, o novo director-geral das Artes, Carlos Moura-Carvalho, fez saber que DGA, DGPC e SEC deverão marcar uma "reunião urgente" ao longo desta semana. Na mesa estará o esclarecimento do processo de titularidade sobre a Colecção SEC bem como do número de obras que a compõem e seu paradeiro. "Nos últimos dias procurámos recolher informação sobre o assunto, o que não foi fácil, pois a informação existente na DGA é escassa e dispersa", lê-se no email de Carlos Moura-Carvalho. Que conclui: "Durante a próxima semana procuraremos recolher toda a informação possível."

Na DGA a informação pode ser "escassa e dispersa", mas na DGPC não deverá ser. De acordo com o que o PÚBLICO pôde apurar, a Colecção SEC encontra-se documentada. As fichas das mais de mil obras que a integram constam de três dossiers que estão hoje à guarda do Museu do Chiado. Foi a partir desses dossiers que David Santos e Adelaide Ginga, que até ao afastamento do director partilhava com ele o comissariado da exposição que deveria ter inaugurado a extensão do museu, fizeram a selecção das peças que seriam mostradas.

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