Só Deus sabe

O mito Brian Wilson revisitado num filme que segue (e ainda bem) mais a lenda do que os factos — mas cujo verdadeiro propósito nunca chega a ganhar corpo

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A Força de um Génio mostra Brian Wilson dividido entre a energia dos anos 60 e o tumulto posterior

A Força de Um Génio — raio de título para a musicalidade simples do original Love & Mercy — tem uma ideia interessante para estruturar o seu olhar sobre Brian Wilson, o mago dos Beach Boys, e fugir à linearidade convencional dobiopic.

Concentrar tudo em dois tempos, narrados em paralelo, que acompanham o período dos anos 60 em que Wilson, entre Pet Sounds e o frustrado Smile, viveu o que foi porventura o pico da sua energia criativa no mesmo passo em que se iam pronunciando (ou prenunciando) os sinais do seu desarranjo psicológico; e aquele período da década de 80 em que Wilson foi efectivamente um homem doente e deprimido, nada ajudado pela relação de dependência que deixou criar com o seu suposto “tutor”, o notório Dr. Eugene Landy. Multiplicam-se os Brian Wilsons (Paul Dano em jovem, John Cusack em quarentão) e espera-se que o “diálogo” entre eles crie uma relação mais rica e mais significativa do que a soma das partes.

O problema de A Força de Um Génio, que é um filme agradável de se ver, é que esse diálogo, por alguma razão, não chega a existir, ou não chega a ganhar corpo (para além da conturbada relação de Brian com o pai Wilson, sempre dada como fantasma psicanalítico) que baste para arrancar o filme de uma lógica essencialmente ilustrativa: nunca se sente, por exemplo, a “elipse” entre as duas épocas, o peso do tempo não-visto entre os anos 60 e os anos 80, e isso dá a A Força de Um Génio o aspecto de ser ao mesmo tempo um filme e a sua sequela em montagem “integrada”. Se o segmento dos anos 80 é quase um filme “de terror”, com Paul Giamatti em inexcedível viscosidade no seu retrato do sinistro Landy e Elizabeth Banks no papel da heroína (que viria a casar com Brian) que move mundos e fundos para salvar o seu amado das garras do ogre, o segmento dos anos 60, embora talvez mais esvoaçante, tem os melhores momentos do filme, mostrando com entusiasmo e energia os “transes” criativos de Wilson (e a incompreensão dos seus próprios parceiros), em cenas que talvez sigam mais a “lenda” do que os “factos” mas que estão muito bem assim. E até há tempo para uma insólita citação: aquela panorâmica de 360 graus que varre o estúdio durante uma das sessões de gravação é uma óbvia vénia ao filme em que Godard registou os Stones ao trabalho, One Plus One.

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