Lisboa-Rio de Janeiro

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Foi a intuição a enviar Márcia na direcção de Dadi Carvalho (de costas), mais conhecido na Música Popular Brasileira como Leãozinho Daniel Rocha

Foi a intuição a enviar Márcia na direcção de Dadi Carvalho.

Numa reunião na editora Warner Music a fim de encontrar o nome certo para a produção de Quarto Crescente, havia quatro ou cinco nomes em cima da mesa, de gente ligada a cantoras de referência para Márcia como Suzanne Vega, Leslie Feist e Marisa Monte. As novas canções, como Insatisfação, pediam alguém que soubesse meter as mãos na pop sem as estrafegar. Seguindo a pista dos Tribalistas, foi dar a Dadi, mais conhecido na Música Popular Brasileira como Leãozinho. Foi nele, no baixista que mais tarde o acompanharia por alturas de Circuladô, que Caetano Veloso confessamente se inspirou para a composição de O Leãozinho, um dos temas mais emblemáticos da sua discografia. “Essa canção diz tudo do alto-astral que é esse carioca de coração claro”, disse Caetano em depoimento à biografia Caminho É Chão e Céu – Memórias de Dadi.

“Acho que a intuição dela foi muito boa porque tudo fluiu”, confirmou Dadi ao ÍPSILON, em Janeiro, no estúdio de Márcia e Filipe Cunha Monteiro, em Lisboa, onde o álbum começou a tomar forma. Depois de um primeiro e breve encontro num hotel da cidade onde o músico brasileiro esteve de passagem poucas semanas antes, acertaram logo o início dos trabalhos. “Nem tivemos muito tempo para pensar”, acrescenta a autora. “Mas não há razão para não ser rápido. Fui compondo as canções muito pausadamente durante ano e meio, e não havia por que esperar.” Foi apenas o tempo de perceber que havia um entrosamento imediato, e de avançar assim que Dadi terminou de gravar um disco com Jorge Ben e pôde voltar a Portugal. “Ela começou a enviar-me músicas para eu ouvir e fui caindo para trás – ficava ouvindo toda a noite, essa voz da Márcia que é uma coisa incrível, essas músicas e letras lindas em que tudo o que ela fala é aquilo que sente”, descreve o produtor. “Acredito muito nessa coisa verdadeira da música, que vem de dentro.”

Daniel Rocha
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A longa experiência de Dadi como músico de formações históricas do rock local, começando pelos Novos Baianos – com os quais gravou o clássico Acabou Chorare, um samba com energia de rock psicadélico, segundo os próprios, que em 2007 foi eleito pela Rolling Stone como o melhor disco de sempre da música brasileira – mas tendo integrado igualmente A Cor do Som e passado pelos Barão Vermelho, aconselhou-o a ouvir as criações de Márcia com os ouvidos limpos, a fim de não atalhar pelas opções dos anteriores discos da cantora. “Sabe quando você come um negócio e quer ficar com aquele sabor na boca?”, questiona o produtor. “Foi um pouco isso”. Para saborear as composições, interessava-lhe pensar com a cabeça tão livre quanto possível.

Em pleno Carnaval carioca, Márcia e os seus músicos cúmplices, Filipe e Manuel Dordio, desembarcaram no Rio para dar os retoques finais em Quarto Crescente. “Como era Carnaval a gente ia descansar, mas depois era o meu aniversário e é muito fácil uma pessoa distrair-se no Brasil porque há muita coisa para conhecer e muita festa”, recorda a autora de “A Pele que Há em Mim”. Entretanto, Dadi tinha já avançado com a gravação da participação de Criolo e as percussões em vários temas a cargo de Vinicius Cantuária – outro nome de vulto da música brasileira, mais conhecido como cantor e guitarrista de álbuns como Índio de Apartamento ou Lágrimas Mexicanas (em duo com Bill Frisell), numa abordagem jazzística ao património da bossa nova. Depois de um serão em casa de Vinicius, em que cantaram e tocaram um para o outro, o músico deu ainda uma música a Márcia para trabalhar por sua conta. Por enquanto, desse tema não há ainda rasto, mas é bem possível que esta ponte aérea entre Lisboa e Rio de Janeiro, entre Márcia e a música brasileira, tenha apenas acabado de inaugurar.

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