Cravinho acredita que Nóvoa levará a “reflexão” no PS

O economista Stuart Holland, que participou com Cravinho num debate na Fundação Mário Soares, teme o “risco de uma Europa totalmente alemã”.

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Para Cravinho, “a grande batalha do PS agora é preparar-se para as legislativas” Rui Gaudêncio

O ex-ministro João Cravinho não tem dúvidas de que a eventual candidatura de Sampaio da Nóvoa à Presidência da República suscitará uma “reflexão” no PS, mas para já defende que o combate são as legislativas. O socialista entende que legislativas e presidenciais têm momentos diferentes e admite que algumas candidaturas possam criar um “problema eventual” de conciliação de tempos e prejudicar os respectivos debates.

O antigo deputado falava aos jornalistas à margem de um debate que decorreu nesta quinta-feira na Fundação Mário Soares, em Lisboa, e em que participou o economista Stuart Holland. O debate intitulava-se E agora, que futuro?.

Para Cravinho, o antigo reitor da Universidade de Lisboa merece-lhe “muita consideração”: “É um cidadão empenhado, convicto, uma pessoa que pensa os nossos problemas”, começou por dizer à margem do debate. Ressalvando que Nóvoa não é ainda candidato, admitiu que se tal vier a acontecer “é evidente” que a candidatura “tem de ser equacionada”. Questionado sobre se o PS devia apoiar Nóvoa, Cravinho afirma que “é uma questão a examinar”: “Com certeza. Uma candidatura como a de Sampaio da Nóvoa suscita uma reflexão, em vários quadrantes e graus, em vários centros de responsabilidade, inclusivamente em centros de responsabilidade partidária.”

A questão é que ainda não é tempo para veredictos, defende: “Essa reflexão, neste momento, é natural que já haja muita gente que a vá fazendo, porque estas coisas vão-se fazendo também com o tempo, mas o tempo de concluir não é este de maneira nenhuma, porque nem sequer há candidatura”, disse. E acrescentou: “É óbvio, não vale a pena estar a escondê-lo, que há um problema eventual perante uma candidatura de Sampaio da Nóvoa, como com outra que possa aparecer com peso. Há um problema de conciliação da salvaguarda do debate profundo e de uma mobilização do país para as legislativas e eventualmente também para as presidenciais, que têm tempos diferentes, têm temas diferentes.”

Para o antigo ministro do socialista António Guterres, “a grande batalha do PS agora é realmente preparar-se, combater, difundir, procurar mobilizar para as legislativas”: “Não pode ser de outra maneira. E existe, como é evidente, suponho que toda a gente tem isto como óbvio e não estou a revelar nenhum segredo, existe uma conciliação necessária, mas difícil, entre uma candidatura para as presidenciais e todo o processo de mobilização para as legislativas.”

“Alemanha pouco democrática”
Também à margem do debate, o economista Stuart Holland disse estar “cansado” de ouvir a Alemanha dizer que Portugal é pouco competitivo. Sobre a situação na Grécia, rejeitou que a crise seja entre a Grécia e a União Europeia, mas sobretudo com a Alemanha. Criticou o presidente do Eurogrupo por não estar “a permitir nenhuma discussão para resolver a crise grega”, tendo em vista a própria resolução da crise na Europa.

“A Grécia não pode recuperar a não ser que a Europa recupere; Portugal não pode ser bem-sucedido a não ser que a Europa recupere”, afirmou, acrescentando que “esta austeridade está a matar não só economias”, como a criar desemprego e também a afectar “o processo de decisões democráticas”. No debate, o economista referiu-se mesmo à “hegemonia crescente da Alemanha e ao risco de uma Europa totalmente alemã”.

O economista também abordou o Plano Juncker, do presidente da Comissão Europeia, temendo que, como está, não vá funcionar, por não ter dinheiro público.

Lembrando que sempre defendeu a “dimensão social” do projecto europeu, recuperou muitas das fases atravessadas pela Europa e recordou palavras de Jacques Delors, com quem trabalhou na definição das políticas de coesão económica e social da União Europeia — ambos concordavam que “a Europa não tinha sucesso se fosse um mercado”.

“Incapazes de cumprir Tratado Orçamental”
Também João Cravinho considerou que “temos à nossa frente uma década cheia de problemas perigosíssimos” em vários planos, como o económico e social. E frisou que uma “eventual saída da Grécia vai levar à intensificação dos problemas entre o Norte e o Sul e não à resolução”. Espera que a chanceler alemã tenha um “pesadelo” e não permita que tal aconteça na Europa.

Cravinho analisou, com a ajuda de slides, a trajectória dos défices, “a caminhar para zero em 2018”, que constam, frisou, do documento estratégico orçamental de 2014: “Isto é o documento estratégico que serviu de base ao nosso entendimento com Frankfurt e Bruxelas”, afirmou. E alertou: “Para chegarmos ao que era normal em 2010, nós vamos incorrer na violação dos compromissos com Bruxelas, nomeadamente na questão do excesso de défice. Mas o mais grave é que, acompanhando esta trajectória de défices, que corresponde ao estado normal legislado, sem mais alteração até 2019, só aplicar a lei, o que se passa aqui é que nós vamos ser incapazes de cumprir o Tratado Orçamental”, apontou.

Identificou ainda o facto de a economia portuguesa ser dominada por um tipo de “capitalismo familiar” e que Portugal precisa de formar “uma nova classe empresarial”.

Entre muitas outras iniciativas que fazem parte do seu vasto currículo, Stuart Holland escreveu com o ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, de quem é amigo, Uma proposta modesta para resolver a crise do euro e é professor visitante da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. João Cravinho, dinamizador do manifesto pela reestruturação da dívida, foi, entre outros cargos, deputado pelo PS ao Parlamento Europeu e à Assembleia da República, ministro e ainda administrador do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento.

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