Na linha da frente

Michael Formanek reúne um grupo de músicos excepcionais e põe-nos a todos à prova - músicos e público.

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Michael Formanek

O anúncio, há alguns meses atrás, de que esta nova formação do contrabaixista e compositor Michael Formanek iria actuar no pequeno auditório da Culturgest, causou alguma perplexidade devido ao nível elevadíssimo dos músicos envolvidos, o qual justificaria certamente uma actuação no grande auditório da instituição.

Uma incongruência que jogou a favor de todos aqueles que puderam assistir, no espaço mais íntimo do pequeno auditório, quase como se de um clube se tratasse, à actuação de um quinteto de luxo que integrava, para além do próprio Formanek, os saxofonistas Tim Berne e Brian Settles, o baterista Dan Weiss e o pianista Jacob Sacks. Michael Formanek é, há muito, um músico consagrado como um dos grandes nomes do jazz, tendo tocado com Tony Williams, Stan Getz, Gerry Mulligan, Freddie Hubbard, Joe Henderson ou Chet Baker, entre muitos outros.

Este novo quinteto, denominado pelo próprio como Cheating Heart, surge como um novo capítulo na sua carreira, sucedendo-se ao celebrado quarteto que manteve durante anos com Tim Berne, Craig Taborn e Gerald Cleaver, e afirmando Formanek como um músico que não quer parar de evoluir, de se transformar.

A música tocada na noite da passada quinta-feira revelou-se tudo menos fácil, soando mais complexa e desafiante do que aquela praticada pelo quarteto, sobretudo a nível rítmico. Essa  foi, aliás, a grande surpresa da noite, como se Formanek quisesse agora, aos 57 anos de idade, incorporar na sua música os últimos avanços do jazz, nomeadamente aqueles que têm surgido pela aproximação das práticas mais radicais do jazz a um público mais alargado.

A música, verdadeiro quebra-cabeças de compassos compostos, harmonias mutantes e melodias angulares, mais próxima de Anthony Braxton, Wadada Leo Smith ou Bill Dixon do que de Rollins ou Konitz, soou fluida e envolvente. Verdadeiramente essencial para o sucesso da noite foi a secção rítmica - Weiss e Sacks estiveram ao mais alto nível, assinando uma prestação avassaladora.

Postos à prova por composições complexas e altamente exigentes, moveram-se com um à-vontade invulgar e com uma autoridade própria dos grandes mestres, como se tivessem sido eles próprios a escrever aqueles temas. Se o virtuosismo musical de Weiss é já amplamente reconhecido a nível mundial, então a grande surpresa foi mesmo Sacks, responsável por muitos dos melhores momentos da noite, como aconteceu logo nos dois primeiros temas, incluindo uma intro a solo, impressionista e vibrante, a marcar um crescendo de emoções, ou no penúltimo tema, balada de enorme lirismo e beleza que Sacks "rasga" delicadamente com uma improvisação marcante e inspiradora.

Igualmente ao mais alto nível esteve Tim Berne, companheiro de longa data e inúmeras aventuras musicais de Formanek. Berne foi igual a si próprio, nunca exuberante, sempre algo contido, fraseou com a habitual clareza e incisão, dotando as composições do líder de profundidade e invenção.

Foi particularmente impressionante em Wobble and Spill, longa improvisação conjunta, e em Gearz, tema dedicado a Mary Halvorson onde, após um solo avassalador de Formanek construído sobre uma sequência de acordes tocados por todos os músicos da banda, se iniciou uma série de pequenas improvisações tocadas alternadamente por cada um dos sopros.

Mas nem tudo foram facilidades. A uma prestação inspirada e vibrante do próprio Formanek, correspondeu uma outra algo desiquilibrada e frágil de Brian Settles. O saxofonista, sobre o qual pesava a responsabilidade de vir "substituir" nomes como Ellery Eskelin ou Chris Speed, revelou-se algo hesitante e com um sopro pouco incisivo, sendo que as suas notas dificilmente se harmonizavam com o resto do grupo. Algo que não chegou, no entanto, a perturbar de forma relevante aquela que foi uma noite de grande música.

No final, em Pong, tema exuberante feito de patterns circulares, não regulares e repetitivos, ficou bem claro que Michael Formanek se mantém bem na linha de frente do jazz actual.

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