O maior perigo para os jihadistas pode estar no interior do grupo

O autoproclamado Estado Islâmico tem dado mostras de divisões internas. Têm aumentado as tentativas de fugas e a cisão entre combatentes estrangeiros e locais.

Foto
Xiitas celebram a reconquista de uma localidade iraquiana aos jihadistas Thaier Al-Sudani/Reuters

Mais do que as ofensivas externas contra o autoproclamado Estado Islâmico, parece ser no seu núcleo que se têm vindo a expor as suas maiores fragilidades. Numa reportagem publicada no domingo, o Washington Post descreve alguns sinais de tensões internas no grupo extremista e avança com aquilo que poderá ser hoje a maior ameaça para o movimento: a desintegração da sua utopia ideológica.

As conclusões são retiradas de relatos de residentes no terreno e de observatórios independentes. É a partir destas informações que se começam a multiplicar os indícios de que tentativas de fuga de combatentes estrangeiros têm aumentado, de que cresce a tensão entre estes e os recrutas locais e, sobretudo, de que, afinal, o autoproclamado Estado Islâmico não é assim tão capaz de unir os muçulmanos sob a mesma causa.

Em Fevereiro, o Daily Beast apontava para o mesmo fenómeno. Aumentavam as tentativas de fuga nas áreas controladas pelo grupo, cada vez mais vindas de altas-patentes, houve relatos da execução de mais de 60 combatentes estrangeiros nas últimas semanas, cresciam as represálias dos sistemas judiciais do autoproclamado califado.

A “grandiosa promessa” do Estado Islâmico (EI) é desmentida pela sua realidade quotidiana, diz ao Washington Post Lina Khatib, a directora do Centro para o Médio-Oriente da Universidade de Carnegie, sediado em Beirute. “Estamos essencialmente a ver uma falha na espinha dorsal da ideologia do EI, que é a de unificar pessoas de origens diferentes no seu califado”, afirma.

Um dos principais motivos de divisão no seio dos combatentes vem dos alegados privilégios concedidos aos voluntários estrangeiros, por contraste com as condições em que vivem os recrutas locais. Os combatentes estrangeiros tendem a viver nas cidades, onde são raros os ataques aéreos da coligação liderada pelos EUA, e são menos chamados para as linhas da frente. Acontece o contrário com os recrutas locais, que, além do mais, parecem ter salários mais baixos. Esta cisão terá já suscitado confrontos armados entre as duas “famílias” de combatentes.

O EI parece também ter perdido o seu ímpeto militar inicial. Enfrenta grandes ofensivas curdas no Norte da Síria e do Iraque, e esforça-se para manter o controlo sobre Tikrit, sob assalto de milícias xiitas em aliança com o exército iraquiano. Estes recentes reveses – veja-se a reconquista curda de Kobani, embora não tenham prejudicado uma grande porção do seu território, contribuem para deteriorar a imagem de invencibilidade do EI.

Será sobretudo por esta razão que têm aumentado as dissidências e tentativas de fuga no interior do autoproclamado califado. No mês passado foram encontrados 30 a 40 corpos, aparentemente de origem asiática, num dos arredores de Raqqa, o principal bastião do grupo. Um grupo activista da região afirma que se trata de combatentes estrangeiros que tentavam fugir. O Observatório para os Direitos Humanos da Síria afirma, por sua vez, que cerca de 120 estrangeiros que combatiam pelo EI foram executados publicamente ao cabo das últimas semanas, muitos deles por tentativa de fuga.

Mas não são apenas os estrangeiros que alegadamente têm perdido fé na força do EI. As divisões no interior do grupo têm atingido altos-responsáveis da comunidade muçulmana, como é o exemplo de um clérigo não identificado de Aleppo, que, diz o Observatório para os Direitos Humanos da Síria, foi preso por críticas ao modelo de execução de Muadh al Kasasbeh, o piloto da Força Aéria da Jordânia queimado vivo pelo movimento.

Por esta razão, o recrutamento de combatentes na região tem-se tornado mais difícil e violento. Um salário de 800 dólares (cerca de 736 euros) tem convencido poucos residentes. Face às ameaças de violência, um número cada vez maior de habitantes tem tentado a fuga. É o caso de Ahmed Mhidi, que fugiu há duas semanas de Deir-al-Zour, no Leste da Síria. Agora na Turquia, Mhidi diz ao Washington Post que o EI nunca convenceu a população e que só obtinha apoio local pelo temor de represálias.

Mas até isso se tem alterado. Em Deir-al-Zour têm-se multiplicado ataques de milícias locais aos combatentes do EI. Neste domingo surgiram relatos de que 12 membros do EI foram mortos num ataque desta natureza, avança o Washington Post

Este sinais, contudo, não parecem indicar que o autoproclamado Estado Islâmico esteja em vésperas de perder o controlo sobre o vasto território no Leste da Síria e Oeste do Iraque. Os exemplos de milícias como as de Deir-al-Zour são raros, uma vez que o grupo extremista tem ainda muito poder nos seus territórios do interior.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários