Prescindir

Prescindir é o contrário de abraçar a vida: é dar-lhe cotoveladas repetidas.

Quando se é novo, aquilo que se quer é descobrir. Quando se é velho, aprende-se que o verbo correspondente é prescindir.

Quanto mais se descobriu, mais se tem de prescindir. Ponhamos as coisas no plano mais simples (aquilo que fazemos e comemos) para mais bem percebermos o sacrifício.

Nos últimos 15 anos, por exemplo, prescindi da frutose e da sucrose, do vinho, da manteiga, do pão branco, do arroz, da batata e de todos os outros hidratos de carbono que são açúcares mais ou menos disfarçados.

Prescindir é como morrer aos bocadinhos. É melhor do que morrer de repente, mas é pior do que perceber que se morre mais depressa se continuarmos a viver como se fôssemos novos.

Prescindir é o contrário de abraçar a vida: é dar-lhe cotoveladas repetidas.

Prescindir é abdicar de ser-se novo (e logo imortal). Prescindir é a prática sensata de eliminar, um a um, os disparates, as inconsciências e as venetas de cada uma das nossas vidas.

Quanto mais me aproximo da minha morte, mais me envergonham os truques para adiá-la, sabendo perfeitamente que jamais poderei evitar a morte que segura e saudavelmente me espera, rindo-se baixinho das minhas tentativas de desafiá-la.

Viver é querer, descobrir e amar. Não querer morrer é sórdido, estúpido e banal. Mas infinitamente humano. Entre querer prolongar a vida e ter medo de morrer não cabe um único duque de um baralho de cartas.

Prescindo, logo ainda mando em mim. Prescindo porque já vou a caminho. Arrastando os pés, como um puto.

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