Uma reunião de mestres da música de câmara

András Schiff tem uma toucher cristalina e uma agilidade digital que coloca ao serviço de fraseados sempre elegantes

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András Schiff dr

Num mês em que a temporada Gulbenkian tem dado a ouvir uma série de prestigiados pianistas (Radu Lupu, Elisabeth Leonskaja, Paul Lewis), o húngaro András Schiff é o convidado de honra não só pela sua estatura artística, mas também pelo destaque que tem na programação através de uma série de concertos que mostram diversas vertentes da sua carreira.

Schiff iniciou em Janeiro uma série de três exigentes recitais dedicados às últimas Sonatas de Haydn, Mozart, Beethoven e Schubert (os próximos serão a 8 de Fevereiro e 24 de Março) e tocou esta semana com o agrupamento Cappella Andrea Barca música de câmara de Mozart, Schubert e Dvorák e os Concertos para Piano de Mozart (nº 22) e de Beethoven (nº1).

Formada por instrumentistas criteriosamente selecionados, a Cappella Andrea Barca foi criada por András Schiff em 1999 para interpretar os Concertos de Mozart no Festival de Salzburgo, alargando posteriormente o seu repertório. O grupo assume dimensões variáveis em função do repertório e por vezes incorpora outros agrupamentos como sucedeu na quinta-feira com o Quarteto Panocha, na interpretação do Quinteto com Piano nº2, de Dvorák.

Apesar de não ter uma estrutura fixa, os diferentes instrumentistas da Cappella Andrea Barca mostram um trabalho de conjunto primoroso ao nível da coordenação rítmica, do equilíbrio e da sintonia estética do diálogo musical. Logo desde os primeiros compassos do famoso Quinteto com Piano, A Truta, de Schubert, impressionaram pela beleza e clareza da sonoridade.

András Schiff tem uma toucher cristalina e uma agilidade digital que coloca ao serviço de fraseados sempre elegantes (mesmo nas passagens mais veementes) e os seus colegas (Erich Höbarth no violino, Hariolf Schlichtig na viola, Christoph Richter no violoncelo e Christina Sutter no contrabaixo) revelaram igualmente um estilo depurado, marcado pela nitidez dos detalhes e da ornamentação. A sua prestação foi de grande vitalidade, preservando o espírito de divertimento da obra, e as célebres variações sobre o Lied A Truta do quarto andamento soaram plenas de graciosidade e poder sugestivo.

Seguiu-se o Quinteto para Piano e Sopros K. 452, de Mozart, singular obra-prima que combina elementos característicos do repertório de câmara e do género do concerto. A sedução tímbrica resultante da sua instrumentação peculiar foi servida por  uma versão de grande transparência que pôs em evidência a destreza e musicalidade dos intervenientes — Louise Pellerin (oboé), Riccardo Crocilla (clarinete), Stefan Schweigert (fagote) e Marie-Louise Neunecker (trompa) — e a inteligência de Schiff na forma como moldou a sonoridade pianística em função do colorido dos sopros.

Na segunda parte, assistiu-se a mais um momento de forte empatia musical entre o pianista e os seus convidados, desta vez o Quarteto Panocha, na interpretação do imponente Quinteto com Piano nº2, de Dvorák. A obra combina um intenso lirismo com passagens impetuosas e recorre ao característico material musical da dumka (canto eslavo que alterna momentos de melancolia com outros de súbita animação), elemento presente em várias peças do compositor.

Com maior recurso ao vibrato, a identidade sonora do Quarteto Panocha difere da dos instrumentistas que tocaram o Quinteto de Schubert, mas neste caso a época e o estilo da composição (já do Romantismo tardio) também é outra. A sua interpretação profunda e apaixonada, plena de contrastes, fez desta obra um ponto alto da noite, recebido de forma efusiva pelo público.

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