Vejamos em palco este Norberto Lobo em mutação constante

O guitarrista inicia esta quinta-feira, em Lisboa, uma digressão de apresentação de Fornalha que o levará a percorrer o país até ao final de Janeiro

Fotogaleria
Norberto Lobo ao vivo no Cem Soldos - Festival Bons Sons em 2010 Miguel Madeira
Desde a edição de <i>Mudar de Bina</i>, em 2007, Norberto Lobo tem construído um percurso que o torna hoje incontornável
Fotogaleria
Desde a edição de Mudar de Bina, em 2007, Norberto Lobo tem construído um percurso que o torna hoje incontornável Vera Marmelo
Fotogaleria
Vera Marmelo

Chegou Fornalha, álbum a solo, e chegou logo depois Oba Loba, composto com o baterista João Lobo e gravado pelos dois (une-os o apelido e a música, não laços familiares) com um quinteto de músicos amigos criteriosamente seleccionado. Norberto Lobo, é dele que falamos, em dose dupla.

A edição destes dois álbuns tão distintos é uma coincidência. Mas a diversidade das abordagens musicais, o gosto pela partilha e contaminação faz parte do percurso deste músico chamado Norberto, incontornável na música portuguesa actual, a quem calhou ser guitarrista de génio. Conhecê-lo assim, em dose dupla, criatividade a abraçar expressões diversas, é conhecê-lo por inteiro. Ou quase.

Conhecê-lo por inteiro é acompanhar a magnífica discografia que tem criado a solo desde o fundador Mudar de Bina (2007), é ter presente a obra paralela a essa caminhada (o trabalho com o baterista João Lobo é um dos muitos exemplos), e é também vê-lo em palco, espaço onde a sua música existe totalmente livre. Ele, que tem perfeita consciência de que, actualmente, “os álbuns saem para fazer concertos, não para vender”, mas que vê nesse registo um processo fundamental (“para mim, é importante lançá-los, é a forma de conseguir passar para outra, dar o próximo passo”), dirá na esplanada que partilha com o PÚBLICO no Martim Moniz, em Lisboa, que “os discos acabam por representar muito pouco do que os músicos fazem”. Segundo Norberto, os álbuns são “janela mínima” de uma caminhada interminável. “Se estiveres a tocar material que já não tem ligação directa com o teu entusiasmo, não vale a pena tocá-lo e, portanto, a mudança torna-se inevitável”.

A partir de hoje, quinta-feira, e até ao final do mês, iremos poder testemunhar ao vivo do que se faz essa construção constante, numa série de datas de apresentação do magnífico Fornalha. A viagem começa na Igreja St. George, em Lisboa (15 de Janeiro, 22h, 10€) e prossegue sexta-feira na Culturgest do Porto (22h, 5€). Dia 17 leva-o ao GNRation, em Braga (22h30, 5€), dia 18 ao Salão Brazil, em Coimbra (17h, 5€), dia 19 ao Conservatório de Música, em Vila Real (22h, entre 5€ e 7€) e dia 20 ao Museu do Abade de Baçal, em Bragança (22h, 5€). A digressão encerra dia 31 de Janeiro no Teatro Municipal de Faro (22h, preço do bilhete por confirmar).

Ouvimos Fornalha e somos surpreendidos. É um álbum em que a guitarra, tocada com arco e manipulada, surge como música de câmara dilacerada, como escrevemos na crítica ao disco. Em que entre peças de “fingerpicking” de uma sensibilidade tocante (indefinida entre o calor mediterrânico e as planuras americanas), surgem outras em que a guitarra se torna “mero” veículo para que o som imaginado se torne real. “A ideia vem antes da guitarra”, diz Norberto. “Há melodias que quero muito tocar. E só sei tocá-las na guitarra”.

Com Fornalha ainda fresco nos ouvidos, vimos Norberto Lobo tocar numa galeria em Utrecht, inserido no festival Le Guess Who?, mais uma paragem na digressão europeia que cumpria. E surpreendemo-nos novamente. Foi o Norberto da gentileza no dedilhar da guitarra aquele que ouvimos, esse que, no início da discografia, com Mudar de Bina e Pata Lenta (2009), nos levou a reencontrar Paredes, mas um Paredes à solta no cancioneiro folk americano reinventado por John Fahey. “O passado e o futuro não existem enquanto tal”, diz. “O material é mutante. As malhas crescem e evoluem. É sempre dois passos à frente e um atrás”.

Desde 2007, a actividade de Norberto Lobo tem sido constante, quer em estúdio, quer em palco. À discografia a solo, juntam-se variadíssimas colaborações. Podemos ouvi-lo com o baterista João Lobo, podemos vê-lo com o pianista Giovanni Di Domenico, com o contrabaixista Carlos Bica ou com o cantautor americano Cass McCombs. Podemos saber que, se ouvimos a guitarra com arco em Fornalha, tal se deve ao canadiano Eric Chenaux, com quem também colaborou. “Tem um álbum incrível, Guitar And Voice, pelo qual me apaixonei o ano passado”, conta. “Foi das poucas vezes que enviei um email a alguém que quase não conhecia: ‘Adorava trabalhar contigo’”. Ao vê-lo e ouvi-lo, acrescentou mais uma camada à sua música.

Ouvimos Norberto Lobo e julgamos identificá-lo sem hipótese de erro. Mas nunca conseguiremos conter a sua música. “Tocar com o Cass McCombs, no dia seguinte com o pessoal da ‘improv’ [música improvisada] e depois desse gravar uma malha de guitarra num álbum pop é uma experiência comum. Vivo para isso. É uma ferramenta fundamental. Comida para a alma”.

Norberto em expansão constante, um passo atrás, dois passos em frente. Aproveitemos. A partir desta quinta-feira, observemo-lo atentamente enquanto passa perante nós.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários