São Gonçalinho, uma festa de bairro que mobiliza toda uma região

Aveiro vive, por estes dias, uma festa rija. Tudo em homenagem a um santo ao qual a população se refere como sendo o seu “menino”. Há até quem defenda que este devia ser o dia do feriado municipal.

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O São Gonçalinho rivaliza, em Aveiro, com a festa de Santa Joana, feriado municipal Adriano Miranda
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O São Gonçalinho rivaliza, em Aveiro, com a festa de Santa Joana, feriado municipal Adriano Miranda
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O São Gonçalinho rivaliza, em Aveiro, com a festa de Santa Joana, feriado municipal Adriano Miranda
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O São Gonçalinho rivaliza, em Aveiro, com a festa de Santa Joana, feriado municipal Adriano Miranda

É, com certeza, um dos fins-de-semana mais animados da cidade de Aveiro. Durante quatro dias, o bairro tradicional da Beira-Mar passa a ser o centro de todas as atenções para milhares de pessoas. Tudo em nome de um santo que, carinhosamente, os aveirenses fazem questão de tratar pelo diminutivo – São Gonçalo, que em Aveiro é conhecido como São Gonçalinho –, e cujo culto continua a atravessar gerações.

A festa, que arrancou na sexta-feira e se prolonga até segunda, há muito que deixou de ser uma festividade de um bairro tradicional, atraindo pessoas de toda a região e outros pontos do país, e assumindo algumas particularidades peculiares. Exemplos? Durante estes quatro dias são atiradas toneladas de cavacas (doce coberto de açúcar) a partir do alto da capela dedicada a São Gonçalinho – que, depois, são apanhadas pela multidão que se concentra na rua. Um ritual que serve para os devotos pagarem as promessas feitas ao santo a que as gentes do bairro da Beira-Mar se referem como sendo o seu “menino” ou “santinho”.

A importância desta festividade é de tal ordem que há até quem argumente que o feriado municipal deve ser celebrado no dia consagrado a São Gonçalo (10 de Janeiro) e não a 12 de Maio, data da morte de Santa Joana Princesa, a padroeira da cidade. É o caso do programador cultural Vasco Sacramento, director da empresa Sons em Trânsito (que agencia artistas como Ana Moura, Pedro Abrunhosa, António Zambujo, entre muitos outros). “Não quero ofender ninguém que sinta a Santa Joana de forma muito particular, mas o São Gonçalinho é a festa mais enraizada na cultura da cidade”, testemunhou esteve aveirense ao PÚBLICO.

Ainda que não seja “um homem de fé”, Vasco Sacramento assume que esta festividade anual acaba por ser o evento em que mais participa ao longo do ano, em Aveiro. “E devo destacar o trabalho que foi feito pela última mordomia, e que está a ser seguido pela actual, no sentido de modernizar e dinamizar estas festas”, sublinha.

Outro aveirense que vive com particular carinho esta festa é o vereador da Cultura da câmara municipal, Miguel Capão Filipe. Nascido e criado no bairro da Beira-Mar, assume-se como um devoto do santo ao qual as gentes de cidade se referem como sendo o seu “menino”, e, no passado, até já foi mordomo da festa. Contudo, não entra na discussão relativa a uma eventual mudança da data do feriado municipal. “Está bem assim. Somos abençoados com dois festejos”, destaca o vereador.
 
Uma espécie de São João
“A festa de São Gonçalinho é o nosso fim-de-semana de São João, popular, de festejos de rua, com singularidades únicas”, faz ainda questão de notar Miguel Capão Filipe, contrapondo com as particularidades da festa de 12 de Maio. “A festa de Santa Joana Princesa, que foi um exemplo de renúncia, desprendimento e humildade, é a festa da cidade, com uma das maiores e melhores procissões do país”, defende o vereador, acrescentando: “É o dia da gratidão e da fraternidade”.

“Guerras” à parte, as festas de São Gonçalinho obtiveram, este ano, e tal como sublinhou o vereador da Cultura, “o estatuto de ‘relevante interesse municipal’”. “Implementou-se o programa ‘Boas Festas em Aveiro’, que agregou o Natal e a Passagem de Ano, e conclui-se este fim-de-semana com a exaltação das Festas do São Gonçalinho”, vincou Miguel Capão Filipe.

Quem não tem dúvidas em afirmar que esta é, inquestionavelmente, “a festa mais importante da cidade” são aqueles que a tornam possível, ano após ano: os mordomos. Mudam a cada dois anos e, segundo assegurou o juiz da actual mordomia, João Moreira, encaram a função “como se de uma missão se tratasse”. “É um trabalho de voluntariado, que fazemos ao longo de todo o ano e não apenas nesta altura”, confessa o juiz. Tudo porque para pagar uma festa destas – cujo orçamento a mordomia prefere não divulgar é preciso “desenvolver várias iniciativas, com vista a angariar dinheiro”, acrescentou João Moreira. Uma das acções passa sempre por lançar e vender um quadro – assinado, a cada ano, por um artista diferente – alusivo ao santo das gentes do bairro da Beira-Mar.

Uma “chuva” de cavacas 
De dia ou de noite, à porta da sacristia da Capela de São Gonçalinho, a fila é grande, obrigando os mordomos a coordenar o processo de subida e descida dos crentes ao telhado. Ana Paula Filipe, natural e residente em Aveiro, fez questão de aproveitar logo as primeiras horas da festa para pagar a sua promessa, de forma a “evitar uma espera maior”. “Depois, será muito mais gente e mais confusão”, relatou ao PÚBLICO, antes de subir até ao alto da capela, com o saco que continha cinco quilos de cavacas. “Tenho muita fé neste santo e converso muito com ele”, garantia, ao mesmo tempo que notava que este é um ritual que tem vindo a cumprir “há já três anos”.

E se a tradição é levada a sério por aqueles que querem pagar as suas promessas ao santo, na rua e na praça que envolvem a capela há também verdadeiros “apanhadores” esmerados de cavacas. Munidos de guarda-chuvas virados ao contrário, ou redes aplicadas em paus de dimensões consideráveis, tudo vale para apanhar o maior número de cavacas ainda no ar. “Se elas caírem ao chão, não faz mal. Sopra-se e comem-se na mesma”, assegura André Luís, uma das pessoas que, na noite de sexta-feira, se mostrava empenhado em apanhar os doces vindos do alto da capela.

O importante é não ser atingido por uma cavaca, pois este é um doce duro e “voa” a uma velocidade considerável. “Temos de estar atentos à direcção delas”, aconselha Manuel Morais, outro dos devotos que também não tem mãos a medir na apanha das cavacas. Já tem umas quantas num saco, parte delas atiradas pela sua própria mulher. “Ela já vem há cinco anos, por promessa, e eu aproveito para apanhar algumas”, confessa.

O ritual é secular e tem vindo a atrair, cada vez mais, as novas gerações. Não tanto pelo pagamento de promessas, mas pelo reconhecimento e simpatia em relação à festa popular – que, como qualquer outro festejo popular, também tem direito a fogo de artifício e actuações musicais. Desconhece-se qual a quantidade exacta de cavacas que, por estes dias, são atiradas da capela – há devotos que não compram os seus doces directamente à mordomia , mas sabe-se que o número ascende a algumas toneladas.


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