Nobel da Literatura denuncia clima de medo na Turquia

Orhan Pamuk diz que a liberdade de expressão caiu para "um nível muito baixo" e comenta as declarações do Presidente Erdogan sobre as mulheres.

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Pamuk: "Constato que toda a gente tem medo" Reuters

O escritor turco Orhan Pamuk, prémio Nobel da Literatura em 2006, denunciou o ambiente de "medo" na Turquia e as pressões que estão a ser exercidas pelo regime islamista do Presidente Recep Erdogan sobre a liberdade de expressão.

Numa rara entrevista publicada neste domingo pelo jornal turco Hürriyet, Pamuk diz: "O pior é que há um medo. Constato que toda a gente tem medo, o que é normal (...). A liberdade de expressão caiu para um nível muito baixo".

O escritor, entrevistado a propósito do lançamento de um novo livro, falou na pressão que o poder exerce sobre os meios de comunicação, através de acções concretas contra jornalistas conotados com a oposição ou de processos na justiça sobre o licenciamento de orgãos de comunicação social.

"Muitos amigos dizem-me que este ou aquele jornalista perdeu o emprego. Mesmo os jornalistas mais próximos do poder são perseguidos. Nunca vi nada assim em nenhum lado", disse o romancista de 62 anos que, lembra o jornal, entrou em confronto com as autoridades políticas do país mais do que uma vez.

Em 2005, Pamuk criou polémica ao quebrar um tabu turco quando disse, numa entrevista, que um milhão de arménios e 30 mil curdos tinham sido mortos na Turquia durante a I Guerra Mundial. Desta vez escolheu como alvo o Presidente que, o "horrorizou" quando disse o que pensava dos homens e das mulheres. Num discurso recente, Erdogan defendeu que diferenças biológicas determinam que os homens e as mulheres não podem fazer as mesmas coisas ou ter os mesmos cargos, sendo que a "natureza delicada" das mulheres torna mais apropriado que se dediquem a "trabalhos manuais". "A nossa religião definiu uma posição para as mulheres: a maternidade", disse Erdogan e as suas palavras foram reproduzidas nos media de todo o mundo.

"O meu novo livro é sobre a opressão de que sofrem as mulheres na Turquia (...). Se há um tema em que devemos usar um olhar de fora para criticar a Turquia, é o tema do lugar das mulheres na nossa sociedade. Os nossos políticos fazem declarações irreflectidas sobre este tema como se quisessem provocar uma guerra".

Recep Erdogan dirige a Turquia desde 2003 (como primeiro-ministro e, agora, como Presidente) e, nos últimos anos, fez uma viragem política em direcção ao islamismo. Esta mudança política foi acompanhada de alterações nas prioridades da política externa. A adesão à União Europeia chegou a  estar no topo da agenda do actual Presidente turco, mas as reservas de Bruxelas devido aos sinais de autoritarismo e conservadorismo levaram Erdogan a também se afastar. Na segunda-feira, a responsável pela diplomacia da União Europeia, Federica Mogherini, visita Recep Erdogan para sublinhar "a importância estratégica" da Turquia para a UE. Uma viagem que acontece pouco depois de o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, ter estado em Ancara para fortalecer os laços com os turcos.
 

   

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