Constitucional diz que Afonso Dias tem de cumprir três anos de prisão pelo rapto de Rui Pedro

Juízes rejeitaram o último recurso do camionista acusado de ter raptado a criança que desapareceu em Março de 1998.

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Afonso Dias vai ter de cumprir três anos de prisão efectiva Ricardo Castelo/NFACTOS

O Tribunal Constitucional (TC) rejeitou o último recurso de Afonso Dias, acusado de ter raptado Rui Pedro, desaparecido desde Março de 1998, em Lousada. O motorista de longo curso arrisca-se assim ao cumprimento de três anos de prisão efectiva. O seu advogado, Paulo Gomes, anunciou entretanto que vai recorrer da decisão para o plenário do TC, numa derradeira tentativa de evitar que o seu cliente tenha mesmo de cumprir a pena de prisão a que foi condenado pelo Tribunal da Relação do Porto, depois de ter sido absolvido em primeira instância.

"Não estou surpreendido com a decisão. Já vem na linha das anteriores", declarou Paulo Gomes, recordando que o TC “decide assim em 95% dos casos”.

A informação de que o TC recusou a admissão do recurso de Afonso Dias, relativo à sua condenação a três anos de prisão pelo rapto de Rui Pedro, por “não estarem reunidos os pressupostos básicos” foi avançada pelo advogado da família do menor, Ricardo Sá Fernandes. Alegava Afonso Dias que, tendo havido absolvição em primeira instância, não poderia o Tribunal da Relação (TR) ter alterado a matéria de facto dada como provada nem a mesma ter sido considerada pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que confirmaria a condenação a pena de prisão. Segundo o arguido, a Relação tinha "passado uma esponja" sobre as contradições presentes nos depoimentos de testemunhas-chave e violado o princípio do in dubio pro reo que conduziria inevitavelmente à absolvição de Afonso Dias.

Conclui desde logo o Tribunal Constitucional que a questão da constitucionalidade deveria ter suscitada previamente. De resto, e conforme se lê no despacho sumário, "no cerne da controvérsia apontada pelo recorrente não está a eventual desconformidade destas normas com a Constituição", mas um questionamento quanto à suficiência da fundamentação do acórdão da Relação. 

Com esta decisão, “muito importante para a família de Rui Pedro”, Sá Fernandes considera que o caso “chega praticamente ao fim da linha”. "É a decisão que esperávamos. Significa que o processo está finalmente a chegar ao fim da linha. Não acredito que o plenário do TC venha a alterar a decisão. Isto não significa que a família do Rui Pedro deixe de querer saber o que lhe aconteceu. Esperamos, aliás, que o Afonso, face a esta decisão, venha finalmente dizer o que sabe sobre o que aconteceu", declarou ao PÚBLICO.


Paulo Gomes, ao contrário, sublinha que a reclamação que nos próximos dez dias vai apresentar em nome de Afonso Dias tem efeitos suspensivos, pelo que o seu cliente vai aguardar o desfecho do processo em liberdade.


O motorista começou por ser absolvido pelo Tribunal de Lousada, a 23 de Fevereiro de 2012. Na altura, o Ministério Público pedia seis anos de prisão para o principal suspeito de ter feito desaparecer Rui Pedro, a 4 de Março de 1998, tinha então o menor 11 anos de idade. Na altura, a procuradora Elina Cardoso considerou que o silêncio a que o arguido se tinha remetido durante as 13 sessões do julgamento revelara "uma imensa ingratidão" em relação à família do menor, a par de "uma total frieza a raiar a indiferença e o desprezo". A juíza Carla Fraga concluiu, porém, que os elementos disponíveis não permitiam a "conclusão inequívoca" de que Afonso Dias era o responsável pelo desaparecimento do menor nem de que aquele tinha sido a última pessoa a vê-lo com vida. Numa entrevista televisiva que deu no dia que se seguiu à leitura da sentença, Afonso Dias quebrou o silêncio apenas para reiterar a sua inocência. “O que eu penso é que Rui Pedro ainda está vivo”, declarou então, entre lágrimas nos olhos e juras de que não tinha levado o menor às prostitutas.

À saída do tribunal, o advogado Ricardo Sá Fernandes anunciou desde logo a intenção de pedir ao Tribunal da Relação (TR) "nova produção de prova" ou até mesmo "a anulação pura e simples do julgamento". Já em Março de 2013, os desembargadores do TR condenaram Afonso Dias a três anos e meio de prisão, considerando que os juízes da primeira instância tinham cometido "erros ostensivos" e que "chegaram mesmo a especular". Recorde-se, a propósito, que um dos juízes da Relação votou vencido ao considerar que Afonso deveria ter sido condenado por abuso sexual de crianças e não por rapto.

De resto, e ao contrário do que concluíram os juízes da primeira instância, os desembargadores consideraram que Afonso Dias fora a última pessoa a estar com a criança desaparecida, tendo-o levado depois para "local e destino incertos". Do mesmo modo, o TR valorizou de modo diferente o testemunho de Alcina Dias, a prostituta a cujos serviços Afonso Dias foi acusado de ter recorrido, no que se teria feito acompanhar de Rui Pedro. A prostituta sustentou em tribunal que fora Afonso Dias quem, na tarde de 4 de Março de 1998, lhe levou Rui Pedro propondo-lhe que mantivesse relações sexuais com o menor a troco de dois mil escudos.

O depoimento foi algo titubeante. Nunca antes Alcina Dias tinha nomeado Afonso Dias, sequer quando se cruzara com ele no tribunal, dias após o desaparecimento. Por outro lado, quando em 2008 foi chamada a depôr pela Polícia Judiciária, a prostituta falara de um carro azul escuro (o de Afonso Dias era preto) e ter falado de um miúdo de olhos azuis e cabelo preto (Rui Pedro tinha olhos castanhos e cabelos da mesma cor). Mas, enquanto na primeira instância, o tribunal considerou não ter ficado provado que o homem e o rapaz menor apontados por Alcina fossem os envolvidos neste processo, a Relação deu como certo que os clientes dessa tarde de Alcina eram Afonso Dias e Rui Pedro. Afonso, por seu turno, alegou apenas ter nessa mesma tarde passado três horas diante de uma farmácia, sem que ninguém, contudo, o tenha comprovado.

Discordando da pena decretada pela Relação, o advogado de Afonso Dias recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Depois de numa primeira instância ter alegado que não eram recorríveis penas inferiores a cinco anos, o STJ acabou por admitir o recurso e, em Junho de 2014, decidiu reduzir a pena de Afonso para três anos. Meses depois, e perante novo pedido de nulidade de sentença, o STJ confirmaria a condenação a pena de prisão pelo crime de rapto. Neste caso, o Ministério Público esteve representado pela procuradora Cândida Almeida.

Nesta altura, já Afonso Dias tinha recorrido para o Tribunal Constitucional da condenação a que fora sujeito, o que suspendeu o cumprimento da pena. E o certo é que, independentemente do desfecho judicial deste caso, as dúvidas sobre o paradeiro de Rui Pedro mantêm-se incólumes, quase 16 anos depois. 

 

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