Francisco George afasta cenários de número elevado de mortes como em outros surtos

Director-geral da Saúde acredita que depois do "fenómeno explosivo" o número de contaminados vai desacelerar.

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Pedro Nunes

O director-geral da Saúde afastou nesta quarta-feira a possibilidade de os mais de 40 doentes internados em unidades de cuidados intensivos devido ao surto de Legionella virem a revelar-se casos mortais. Sobre a origem do surto de Vila Franca de Xira, Francisco George admitiu que “tudo aponta para que a fonte da emissão das gotículas de água contaminadas seja uma torre de arrefecimento”.

No programa da RTP Grande Entrevista, Francisco George explicou que a epidemia que Portugal está a viver demonstra uma letalidade inferior a outras do passado, destacando que “os tratamentos estão a ser conduzidos pelos médicos dos diferentes hospitais à luz das melhores práticas recomendadas”. Comparou, depois, os dados nacionais com os dos Estados Unidos, para referir que entre os norte-americanos a mortalidade é superior.

George confirmou ainda que Portugal soma desde o dia 7 de Novembro um total de 302 casos, dos quais cinco acabaram por ser mortais. Há ainda mais quatro óbitos em investigação, justificando o responsável da Direcção-Geral da Saúde que alguns casos foram encaminhados para o Instituto Nacional de Medicina Legal, por razões diversas, como terem ocorrido fora dos hospitais.

“O surto foi identificado a 7 de Novembro mas não começou certamente a 7 de Novembro”, ressalvou George, referindo-se a casos de Legionella que foram diagnosticados ainda em Outubro mas que só mais tarde foram relacionados com o surto que, frisou, está circunscrito ao concelho de Vila Franca de Xira, mais concretamente às freguesias de Vialonga, Forte da Casa e Póvoa de Santa Iria.

Tempo quente e húmido de Outubro foi o ideal para multiplicação de bactérias
“Houve um fenómeno explosivo”, afirmou, referindo que foram detectados 33 casos na sexta-feira, e 57, 90, 50, 45 e 24 nos dias seguintes, “o que traduz uma desaceleração”. O médico disse também que Outubro criou condições propícias ao crescimento da Legionella. “Lembra-se dos dias de Outubro quentes e húmidos? Esses foram os dias da multiplicação das colónias, porque estas bactérias gostam especialmente do calor húmido”, descreveu.

Sobre o foco concreto que terá dado origem a este surto, um dos maiores de sempre em todo o mundo, o director-geral da Saúde confirmou que “tudo aponta para que a fonte da emissão das gotículas de água contaminada seja uma torre (...) de uma empresa que dispõe de grandes torres de refrigeração, de arrefecimento, com aquelas dimensões e sujeitas a fiscalização e encerramento”.

Questionado sobre se estava a referir-se à fábrica da Adubos de Portugal (ADP Fertilizantes), o médico escusou-se a apontar nomes, contrapondo que foram feitas análises em várias empresas do complexo industrial e que ainda não há resultados definitivos. George sublinhou também que estes “ares condicionados não são os dos sistemas das nossas casas”, apelando à tranquilidade da população. Contudo, esta foi a fábrica escolhida na segunda-feira pelo médico para dar uma palestra aos 200 trabalhadores sobre a doença.

Insistiu que “a comprovação vem a seguir”, tendo a Direcção-Geral da Saúde actuado de forma preventiva ao encerrar e selar as torres das fábricas da zona afectada em Vila Franca de Xira. George explicou que a DGS conta com o apoio do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) para perceber qual terá sido o papel do vento no espalhar das gotículas de água pelas freguesias onde há casos de Doença do Legionário e que será também feito um “estudo de imputação causal” quando for conhecido o foco – para perceber se a colónia de bactérias tem correspondência com a que causou a pneumonia aos doentes.

Questionado sobre o facto, divulgado pelo PÚBLICO na terça-feira, de um estudo do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, publicado no ano passado, apontar a presença de Legionella em 15% das torres de refrigeração analisadas entre 2010 e 2012, Francisco George considerou esse dado “preocupante”, mas “não alarmante”.

Quanto a punições futuras das fábricas responsáveis pela disseminação da bactéria, ou alterações à actual legislação, que desde o final do ano passado fez com que as auditorias à qualidade do ar interior deixassem de ser obrigatórias, Francisco George disse que não conhece suficientemente bem os diplomas para os comentar, justificando que é uma matéria das autoridades ambientais.

Portugal recusou ajuda, mas autorizou observadores da UE

George disse que o risco que corre a população de Vila Franca de Xira “existe em todo o lado desde que haja uma fábrica com produção de aerossóis”. Admitiu também que o surto pode “vir a ser o segundo ou o primeiro” de maior dimensão em todo o mundo. “Ficámos todos muito preocupados desde sexta-feira”, reconheceu, mas assegurou que o país conta com especialistas e recursos suficientes para resolver a situação, tendo inclusivamente recusado, por duas vezes, a ajuda oferecida pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças. As autoridades de saúde nacionais deferiram, contudo, o pedido posteriormente apresentado por este organismo da União Europeia, sedeado em Estocolmo, para acompanhar, no terreno, os procedimentos adoptados por Portugal. Desde o passado fim-de-semana que dois observadores do CEPCD participam na task force criada para dar resposta ao surto de Legionella. “E como se fossem dois de nós”, comentou Francisco George, referindo-se aos observadores do CEPCD.

Nas investigações em curso “as empresas vão ter de demonstrar como é que são conduzidas as acções de manutenção, de limpeza, de desincrustação dos seus equipamentos e também da qualidade da água que é captada fora da rede pública”, disse Francisco George, mas sem excluir que o clima tenha contribuído para uma “colonização anormal” da Legionella.

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