Optimização de cuidados com incontinência deve ser uma prioridade do SNS

Temos que encarar a incontinência urinária como o real problema que representa, seja, prioritariamente, a nível individual pelo impacto na vida das pessoas que sofrem da condição e respectivos familiares, seja pelo impacto nos sistemas de saúde.

Dados do relatório “Índice Global de Envelhecimento, 2013” indicam que Portugal apresenta uma elevada percentagem (26,6%) de pessoas idosas, sendo expectável que esse valor aumente para 40,4% até 2050, passando de oitavo para segundo lugar relativamente à população idosa, entre 195 países.

Num conjunto de dados publicados recentemente pela DGS, sobre a Saúde da população portuguesa com 65 ou mais anos de idade, esta entidade alerta para o facto de a diminuição da população activa representar uma consequente diminuição do crescimento económico potencial. Aliada a esta diminuição, surge também um aumento da despesa relativa aos sistemas de pensões, saúde e cuidados a longo prazo constituindo uma pressão substancial a nível económico para os países.

Tendo em conta o crescente envelhecimento da população e dados que mostram que, em alguns países da OCDE, entre 40% a 50% dos gastos com saúde são atribuídos aos idosos e o custo per capita daqueles que possuem mais de 65 anos é 3 a 5 vezes maior que dos outros grupos etários, urge a implementação de medidas que ajudem os Estados a garantirem os cuidados à população idosa mas também a sustentabilidade dos sistemas de saúde.

Atento a esta tendência, o Fórum Global da Incontinência juntou especialistas de todo o mundo para analisar e debater o impacto da doença nos doentes, nos prestadores de cuidados de saúde e na sociedade. Trata-se de uma plataforma de formação e de discussão sobre a incontinência que junta decisores políticos, prestadores de cuidados de saúde e dos serviços de assistência social, organizações não-governamentais e especialistas da área médica a nível mundial. Neste encontro, foi apresentado um documento que definiu um modelo de cuidados para esta condição onde foram tecidas recomendações que visam melhorar os cuidados de saúde e ao mesmo tempo reduzir o encargo do sistema de saúde com esta patologia.

O documento “Especificação do Serviço de Incontinência Ideal”, que envolveu um conjunto multidisciplinar de especialistas de todo o mundo, delineia, assim, uma série de princípios baseados em evidência, sobre a melhor forma de organizar os cuidados de proximidade para pessoas com incontinência e reduzir custos para os sistemas de saúde e assistência social. O documento define um modelo com medidas gerais que devem ser adaptadas e aplicadas por cada Governo, orientando as políticas a nível local.

Esta apresentação surpreendeu, porque revelou que os profissionais de saúde podem melhorar a dignidade dos doentes e economizar milhões se adoptarem a uma abordagem correta nos cuidados com a incontinência. Para além de apresentarem este conjunto de medidas, mostraram também a eficácia deste modelo, com um estudo acerca da sua implementação na Holanda. Este estudo económico, elaborado pela Universidade Erasmus, na Holanda, mostra que um melhor caminho de cuidados, que tenha por base os princípios recomendados, se for aplicado a doentes com mais de 65 anos de idade com quatro patologias, poderia poupar ao sistema de saúde holandês 14 milhões de euros num período de três anos e poupar 106 milhões de euros, no mesmo período de tempo, numa perspectiva social.

Sabemos que a incontinência urinária afecta cerca de 20% da população portuguesa com mais de 40 anos e que a sua incidência aumenta com o envelhecimento. Sabemos também que a incontinência tem um grande impacto na qualidade de vida das pessoas, com realce no nível económico, com elevados custos directos, indirectos e intangíveis. Neste sentido, e tendo em conta, também, a condição económica que Portugal tem enfrentado e todas as questões levantadas relativamente à sustentabilidade do nosso Serviço Nacional de Saúde, não será já tempo de Portugal analisar a viabilidade da implementação de algumas destas medidas que permitem melhorar os cuidados, ao mesmo tempo que os tornamos mais custo-eficientes?

Os princípios básicos do modelo apresentado no documento “Especificação do Serviço de Incontinência Ideal”, assentam numa optimização dos recursos utilizados, na equidade de acesso e tratamento, nos cuidados centrados no doente, na defesa das normas profissionais e da gestão clínica. Recomenda uma abordagem integrada dos cuidados de incontinência e define um sistema modular específico destinado a orientar o paciente através de todas as fases necessárias, desde a detecção dos sintomas até à avaliação adequada e tratamento.

Os especialistas envolvidos na elaboração das recomendações chegaram à conclusão que a incontinência não tem sido uma prioridade para os sistemas de saúde e que a tendência tem sido de redução dos recursos disponíveis para estes cuidados. Alerta-se, ainda, para a falta de profissionais com formação específica nesta área.

O estudo sugere que deveriam existir especialistas com formação em incontinência, como, por exemplo, enfermeiros, que funcionem como co-coordenadores da gestão da doença e que acompanhem todo o processo, desde o diagnóstico e tratamento do doente. Propõe, igualmente que o enfermeiro faça a coordenação, também, junto dos vários especialistas, num modelo que seja, assumidamente, centrado no doente.

O relatório sugere, também, o estabelecimento de programas credenciados de formação para enfermeiros e outros profissionais de saúde ou de assistência social, e o estabelecimento de processos de avaliação abrangentes e padronizados para responder às necessidades dos doentes e dos cuidadores em relação a produtos para a incontinência. Outra medida bastante destacada no relatório é a promoção da autogestão da doença, através da utilização da Telemedicina.

No documento, os especialistas destacam ainda a importância de medir e avaliar constantemente os resultados obtidos e reconhecer os bons exemplos.

Estima-se que 600 mil portugueses sofram com a doença e especialistas alertam que estes dados são apenas "a ponta do icebergue”, porque a tendência é de que venham a aumentar exponencialmente com o envelhecimento progressivo da população. Trata-se, pois, de um problema sub-relatado e sub-tratado que impõe uma carga considerável na qualidade de vida dos doentes e dos seus cuidadores, bem como ao Estado e prestadores de Saúde. Temos, pois, que encarar a incontinência urinária como o real problema que representa, seja, prioritariamente, a nível individual pelo impacto na vida das pessoas que sofrem da condição e respectivos familiares, seja pelo impacto nos sistemas de saúde.

Não será tempo de o Estado, de forma global e Serviço Nacional de Saúde, em particular, darem prioridade e analisarem a melhor forma de adaptar localmente estas recomendações, que podem trazer melhorias substanciais para as pessoas, para os cuidadores e para os custos associados a esta doença?

Director da Escola Superior de Enfermagem S. Francisco das Misericórdias

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