Zimbabwe recebe três mil livros da colecção pessoal de Doris Lessing

Os herdeiros da escritora falecida no ano passado concordaram em enviar os livros para o país onde Lessing cresceu e onde depois conheceu, em acções de promoção da leitura, "os leitores mais apaixonados do mundo"

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Doris Lessing venceu o Prémio Nobel da Literatura em 2007 REUTERS/Kieran Doherty

"Pelo menos durante cinquenta anos Doris Lessing presenteou o mundo com literatura, não me surpreende que ela doe três mil livros à biblioteca.” Foi esta a reacção do escritor do Zimbabwe Panashe Chigumadzi quando soube que os herdeiros de Doris Lessing, falecida no ano passado aos 94 anos, vão doar três mil livros da colecção pessoal da autora à biblioteca de Harare, no Zimbabwe, onde cresceu.

A doação foi acordada pelos vários beneficiários do testamento da escritora Prémio Nobel da Literatura 2007, noticiou o New Zimbabwe. Os livros que não forem necessários a nenhuma colecção da Universidade de East Anglia, no Reino Unido – instituição que por testamento recebe os livros de Lessing – vão viajar em breve até ao Zimbabwe. É a resposta dos herdeiros ao apelo da Africa Community Publishing and Development Trust, uma comunidade de editores africanos que procura facilitar o acesso à cultura nesse continente e com a qual Lessing colaborava.

Na colecção de livros há um pouco de todos os géneros: do romance às enciclopédias, poesia, biografias e contos. Alguns deles ligados à cultura africana, sempre presente na vida e na literatura de Doris Lessing: o seu primeiro livro, A Erva Canta (Europa-América), passa-se no Zimbabwe e aborda a sua política racial.

“Estes livros estão a encontrar o seu caminho para o lugar onde ela foi criada e onde a sua imaginação se deixou incendiar pelos livros que lhe eram enviados de Inglaterra. Agora outros vão poder ter essa experiência libertadora”, disse ao jornal inglês Guardian Christopher Bigsby, amigo da escritora e professor na Universidade de East Anglia.

“É muito enternecedor saber que Doris Lessing, com este gesto majestoso, levou o seu amor por este país além da morte; só nos podemos sentir especiais por termos este lugar nos seus pensamentos”, disse ao jornal Herald, do Zimbabwe, Bernard Manyenyeni, presidente da câmara de Harare, onde a escritora viveu em 1939.

Em 1956, Lessing tentou voltar a este país, mas foi banida por causa de declarações contra o regime racista. Quando conseguiu regressar, nos anos 1980, participou em iniciativas de incentivo à leitura nas bibliotecas. Foi nessa altura que se referiu às pessoas do Zimbabwe como “os leitores mais apaixonados do mundo”.

“Na biblioteca não há livros daqueles que os alunos gostam de ler. Só há daqueles tomos das universidades americanas, pesados até para se pegar, rejeitados das bibliotecas dos brancos, ou romances com títulos como Fim-de-semana em Paris ou Felicity Encontra o Amor”, contou sobre esta sua experiência no discurso de aceitação do Nobel. “Os professores imploram que lhes enviem livros, que lhes digam como se ensina", contou.

Actualmente, muitas bibliotecas do país continuam sem orçamento para a compra de novos livros. “Depois de pesquisa feita no Zimbabwe, acordou-se que a biblioteca municipal de Harare, recentemente renovada, seria o local adequado para a colecção, não só porque Doris Lessing viveu aqui durante alguns anos, mas porque ela se preocupava muito com este país e com o seu acesso aos livros”, diz Panashe Chigumadzi.

Quando chegaram a casa de escritora em Londres, onde vivia desde 1949, os elementos da equipa da sua editora, HarperCollins, passaram um dia a empacotar livros que, disseram, estavam por todas as divisões da casa onde coubesse uma prateleira. Os volumes já estão agora arrumados, prontos para chegarem ao Zimbabwe através da Book Aid International, que envia livros para o país desde 1959.

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