Um médico no olho do furacão do ébola

Billy Fischer viajou para a Guiné porque havia vidas que ele podia salvar – ou, pelo menos, era essa a crença que o levou a viajar até ao centro da epidemia.

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Funcionária da UNICEF explica os sintmas do ébola no condado de Lofa, na Libéria Ahmed Jallanzo/Reuters

Quando Billy Fischer deixou o centro de tratamento do ébola em Guéckédougou, na Guiné Conacri, no fim do mês de Julho, já conseguia completar a sua meticulosa rotina de preparação de olhos fechados.

Primeiro lavava as mãos com desinfectante. Depois calçava umas grossas botas de borracha que lhe chegavam aos joelhos. A seguir vestia um fato impermeável, dois pares de luvas, umas por cima das outras, uma máscara respiratória, um gorro impermeável que lhe cobria a cabeça e o pescoço e – em último lugar – uns óculos protectores.

Com o calor e a humidade tropicais da Guiné, estar dentro de toda aquela vestimenta era sufocante. Mas também era o que o mantinha vivo.

“Perdia três a cinco litros de suor, depois passava duas horas a hidratar-me, antes de voltar a entrar” na zona dos doentes, contou Fischer. “Limita os tratamentos que podes fazer, mas salva-te a vida.”

A Guiné Conacri é o país que mais está a sofrer com o violento surto de ébola que está a assolar aquela região de África. A doença já matou pelo menos 339 pessoas só naquele país e mais 389 nas vizinhas Libéria e Serra Leoa. Em Guéckédougou foram identificados alguns dos primeiros casos de ébola.

Fischer, um especialista em cuidados intensivos da Universidade da Carolina do Norte-Chapel Hill, chegou a Guéckédougou – uma pequena localidade rural que fica perto da permeável fronteira entre os três países – quando o surto do ébola estava a piorar, no final do mês de Maio.

Sob a égide da Organização Mundial de Saúde, o médico foi destacado para trabalhar na clínica dos Médicos Sem Fronteiras de Guéckédougou.

Os seus primeiros dois pacientes foram um irmão e uma irmã. Ambos tinham desenvolvido sintomas do ébola, o que os fez fugir rapidamente para o mato. “Foram encontrados porque estavam demasiado fracos para fugir”, conta Fischer. Mesmo depois de receberem tratamento, ambos morreram.

Esta foi a sua introdução à dificuldade de travar o surto, que envolve não apenas um esforço agressivo para tratar uma doença mortal mas também a luta contra o medo e a desconfiança que o vírus ajuda a espalhar.

“Nove em cada dez pessoas que entram na clínica para receber tratamento saem de lá em sacos mortuários”, lamenta o médico. “Digamos que a desconfiança das populações não é totalmente infundada.”

O ébola só traz horrores e nenhuma cura
Começa com dores e febre. Sem tratamento, nove em dez pessoas que contraem o vírus morrem, muitas de desidratação, fraqueza provocada por excesso de vómito, e perda de nutrientes devido à diarreia e às hemorragias internas e externas e às vezes por falência dos rins e do fígado, explicou Fischer

Mas este médico norte-americano viajou para a Guiné porque havia vidas que ele podia salvar – ou, pelo menos, era essa a crença que o levou a viajar até ao centro da epidemia. Este ano, o ébola já matou mais de 700 pessoas e infectou alguns dos profissionais que têm lutado para travar a sua propagação. Um importante médico liberiano morreu no passado fim-de-semana e dois médicos americanos estão infectados.

Neste caso, um “tratamento médico agressivo” é muito simples para os padrões médicos modernos, explica Fischer. Para salvar vidas pode ser apenas necessário agulhas e seringas limpas, fluídos e uns simples testes laboratoriais – coisas que estão sempre disponíveis nas partes mais ricas do planeta.

Mas o medo da morte dificilmente pode ser mitigado. Com tratamento, uma pessoa infectada tem 40% de hipóteses de sobreviver, no máximo. Tem ligeiramente mais hipóteses de sobreviver do que alguém que não receba tratamento, explica Fischer.

E não há garantias que os médicos possam dar. Muitas vezes, eles não sabem quem vai morrer e quem vai viver, por isso tratam toda a gente.

Segundo os Médicos Sem Fronteiras, as taxas de recuperação no centro de Guéckédougou têm sido mais baixas do que noutras comunidades guineenses, porque o medo faz com que muitas pessoas não se apresentem aos médicos assim que sentem os primeiros sintomas.

E aqueles que chegam para serem tratados mas não podem ser salvos ficam privados do enterro cerimonial que as famílias querem para eles. A lavagem do corpo antes do funeral só aumenta os riscos de contágio dos familiares sobreviventes.

Fischer não está surpreendido com as notícias de que a doença se está a espalhar e está fora de controlo. “A maioria das pessoas pensa que o ébola é uma doença dramática que mata uma pessoa num ápice. A realidade é que o período de incubação pode chegar aos 21 dias. O potencial de a epidemia se espalhar para fora de África existe.”

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