Morreu Eileen Ford, a mulher que criou o negócio das modelos

Durante 40 anos definiu os padrões de beleza. Jane Fonda e Elle MacPherson passaram pela sua agência.

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AFP

Há mulheres de quem se diz que são grandes damas da moda — elas descobriram talentos, revolucionaram o jornalismo especializado, ajudaram a criar uma indústria. Eileen Ford, que morreu na quarta-feira, aos 92 anos, está nessa categoria. Com ela nasceram as agências de modelos, as supermodelos, os padrões de beleza que perduram: mulheres magras e esguias com rostos e corpos que se destacam.

“Elas têm uma atitude. Não sei, mas percebo que vão ser boas. É a forma como se mexem, é a forma como comunicam. Vejo raparigas que sei logo que vão ser estrelas, e elas tornam-se estrelas”, disse Ford numa entrevista à revista Life. Eileen, que era conhecida pela sua capacidade para encontrar talento — seguia raparigas na rua para ver o seu andar, os seus gestos, a sua pose —, criou o conceito de “modelo Ford”, que foi a antecâmara das supermodelos.

Porque não queria modelos, queria sim estrelas, Eileen obrigava as raparigas Ford a um trabalho árduo. Aprendiam etiqueta e a cuidar de si, ganhavam armas para se destacarem e não ficarem perdidas no meio de um grupo de mulheres muito bonitas mas todas iguais. Muitas das raparigas que passaram pela Ford tornaram-se estrelas de cinema. Jane Russel, por exemplo, que de acordo com a “lenda” de Hollywood foi descoberta por Howard Hughes num consultório de dentista, foi polida por Eileen para facturar nas passerelles.

Eileen Cecile Otte (Ford por casamento) nasceu em 1922 em Manhattan. A ligação à moda veio da mãe, a primeira modelo contratada pelo armazém Best & Company. Eileen também desfilou, antes de estudar Psicologia. No fim do curso, trabalhou como secretária e como estilista e foi nesse meio que conheceu Jerry Ford, fotógrafo de moda e contabilista com quem se casou e com quem abriu uma agência de modelos que começou por funcionar na sala de estar do casal.

Estava-se em 1947, Manhattan fervilhava de energia e a ideia, nova e invulgar de profissionalizar as agências de modelos, definindo preços e promovendo as raparigas, foi um sucesso. Em 1948, os Ford venderam o carro para alugarem um escritório e, no final do ano, já facturavam 3500 dólares por semana e por rapariga; a carnuda e carnal Jane Russel é dessa época.

Até à guerra das modelos — 1970 —, quando apareceu a concorrência a sério e se assistiu aos episódios de “roubo” de modelos, com as agências a inflacionarem o mercado, pagando fortunas às raparigas para mudarem de representante ou permanecerem onde estavam, Eileen definiu todas as regras (chegou a processar John Casablancas quando este abriu a Elite). Preferia louras de pescoço alto e esguio, e de olhos grandes e narizes perfeitos. Havia, claro, uma altura mínima (mais de 1,68m, abaixo disso rejeitava-as e aconselhava-as a casarem-se), assim como um tamanho ideal para as ancas e o busto.

“É isso mesmo que eu faço, eu defino um estilo e uma imagem”, disse à revista People.

Eileen Ford, diz o jornal The New York Times, geria a sua casa de modelos como um convento. As raparigas cumpriam regras rígidas — nos obituários, os especialistas referem-se todos à ética de comportamento da agência Ford — quanto a beber, sair à noite, relacionamentos amorosos ou sexuais. Algumas das raparigas ficavam a viver na casa dos Ford, onde havia recolher obrigatório. “Elas jantam comigo, à mesa, todas as noites. Não quero ter de dizer a uma mãe que não sei onde anda a filha, se forem duas da manhã.”

Pela escola de modelos (e de vida) de Eileen Ford passaram, por exemplo, Christie Brinkley, Cheryl Tiegs, Veruschka, Jerry Hall, Grace Jones, Naomi Campbell, Christy Turlington e Elle MacPherson. Entre as que seguiram para Hollywood estão Jane Fonda, Ali MacGraw, Brooke Shields (entrou para o recém-criado departamento de modelos infantis), Candice Bergen, Rene Russo, Kim Basinger, Lauren Hutton e Jean Shrimpton. E até Martha Stewart, a rainha das cozinhas, passou pela Ford — pagou a faculdade com trabalhos de modelo.

A dieta restritiva que impunha às raparigas acabou por se tornar um tema controverso, quando a cintura das modelos encolheu em excesso e os corpos nas passerelles, na publicidade e nas páginas das revistas fugiram à realidade. Mas Eileen Ford nunca pediu desculpa por qualquer das suas opções. Tão pouco pelo seu critério — Birgitta af Klercker, que se tornou na modelo favorita da editora de moda Diana Vreeland (outra das grandes damas da moda) e do fotógrafo Richard Avedon, saiu de uma entrevista com Eileen Ford dilacerada com a frase: "Tens os dentes tortos e és gorda."

“Entrevisto três mil modelos por ano, tenho que ver muito excesso”, escreveu num dos cinco livros que escreveu e onde diz que a maior parte das raparigas que via, e que pensavam que eram magras, tinham em média oito quilos a mais.

Deu polémica o comentário que fez sobre a controvérsia da magreza excessiva das modelos: “Não me preocupo com o que os gordos pensam dos magros. Os magros enterram os gordos.”

A Ford Agency foi vendida em 2008 a um banco de investimentos. No ano seguinte, Jerry Ford morreu. À entrada da segunda metade da década de 1990, escrevem os especialistas, a aura da agência começou a desaparecer. Os padrões e os métodos de Eileen Ford desactualizavam-se. A direcção da empresa ainda foi passada a uma das filhas do casal, mas por pouco tempo.     

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