A constelação dançante ataca os festivais

Os ingleses Disclosure são apenas um dos nomes da música de dança que têm invadido nos últimos tempos os palcos dos grandes festivais rock. No Nos Alive e no Super Bock Super Rock vamos poder ver mais.

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Chet Faker
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Não é um facto dos dias de hoje. Há muito que a música de dança electrónica tem lugar de destaque em festivais de cultura rock. Dos Daft Punk aos Chemical Brothers, os exemplos são inúmeros.

O que talvez não fosse tão comum são os inúmeros projectos em vias de se afirmar, ou de implantação recente, que conquistam cada vez mais os principais festivais de massas. O Nos Alive em Portugal, que começou ontem no Passeio Marítimo de Algés, constituiu um bom exemplo.

Os cabeças de cartaz (Arctic Monkeys, Black Keys ou Libertines) são ainda formações rock convencionais, mas o cartaz é equilibrado por imensas figuras oriundas das diversas famílias dançantes (Jamie XX, Pantha Du Prince ou Pearson Sound evoluíram ontem, enquanto SBTRKT, Diplo, Sam Smith, Buraka Som Sistema, Caribou, Boys Noize, A-Trak, Nina Kravitz, Nicolas Jaar, Chet Faker ou Jungle o farão hoje e amanhã).

Um dos projectos que tem motivado esta nova vaga de interesse são os britânicos Disclosure que, no ano passado, estiveram no Alive e na próxima quinta-feira, 17, regressam a Portugal para o Super Bock Super Rock, onde partilham o protagonismo com Eddie Vedder, Massive Attack, Kasabian, Tame Impala, Cat Power ou Woodkid.

Quando começaram a dar nas vistas, os irmãos Lawrence tinham pouco mais de 15 anos. Hoje Howard tem 20 anos e Guy 23. O seu êxito não é indissociável da idade, recuperando influências perdidas no tempo (do deep-house americano dos anos 1990 ao garage britânico do final da mesma década) com a inocência só possível em quem não vivenciou essas linguagens e se entrega à recriação das mesmas sem quaisquer constrangimentos.

Ou seja, a maior parte das suas canções faz recordar sempre algo do passado recente (Deep Dish, Masters At Work, Mr. Fingers, MJ Cole), embora essa familiaridade nunca seja descarada. Soa mais a novo capítulo. Não constitui revisitação oportunista.

Quando estavam à procura da sua identidade, eram influenciados por Joy Orbison ou Pangaea, praticantes de um estilo límpido com rasgos luminosos de pós-dubstep ou de house. Nessa altura parecia mais uma curiosidade do que uma realidade firmada.

Mas, em paralelo à maturação do house britânico de linhas de baixo encorpadas com texturas resplandecentes, foram operando em segredo e em 2012, com o EP The Face, davam mostras de que tinham descoberto um filão, onde esse tipo de música dançante era conciliado com sensibilidade e refrões de canção pop.

Quando editaram, em Junho do ano passado, o álbum de estreia Settle, o caminho para a aclamação estava aberto, com canções como When a fire starts to burn, White noise, com Aluna George, You & me, com Eliza Doolittle, ou Latch, com a voz de Sam Smith, a tornarem-se num sucesso europeu que, nos últimos meses, também se amplificou para o mercado americano.

Hoje têm o mundo aos seus pés. Actuam nos maiores festivais. Tanto agradam a quem gosta de James Blake como de Beyoncé. Mary J. Blige pediu que colaborassem com ela. Gravaram com Nile Rodgers. E Madonna fez questão de dizer que os admirava muito.

Quando são entrevistados, dizem que são mais influenciados pelas estruturas da canção pop do que pelas bases da música de dança e também fazem questão de dizer que a hierarquização entre “margens” e “centro” do mercado não lhes diz nada, argumentando que um dos seus sonhos eram trabalharem um dia com Beyoncé.

Quase inteiramente registado no seu estúdio caseiro, o álbum foi rapidamente transposto para o palco, ou não fosse o duo filho de pais músicos, tendo crescido no meio de instrumentos. Em palco apresentam-se rodeados de teclados, computadores, processadores, bateria, percussões ou baixos, prontos para desencadearem a dança. E a verdade é que o fazem, mas com doçura, sem histrionismos.

Alternativas

Revelado graças aos Disclosure foi o cantor Sam Smith, 21 anos, que hoje estará no Nos Alive (Palco Heineken, 21h20), para apresentar o álbum de estreia In The Lonely Hour, editado em Maio último. Com uma voz emotiva, o inglês cresceu a ouvir Chaka Khan ou Whitney Houston e isso pressente-se na forma expressiva como utiliza a voz. Para além do êxito com Latch, dos Disclosure, haveria de dar nas vistas com La la la, de Naughty Boy, antes de se afirmar a solo com uma série de baladas condimentadas com soul ou gospel.

Algumas das suas canções são despidas para fazer sobressair a voz e as palavras, com simples acompanhamento de piano, guitarra acústica ou orquestrações, enquanto outras têm uma base mais electrónica, embora no cômputo geral ainda não se perceba se estamos realmente perante um talento singular. A primeira apresentação em Portugal ajudará a dissipar eventuais dúvidas.

Se os Disclosure ajudaram a reavivar o som garage londrino, os Jungle estão a fazer o mesmo em relação à soul, dos anos 1960 à actualidade, com o álbum homónimo, agora editado. Tal como os irmãos Lawrence, os Jungle são apenas dois – os misteriosos Josh e Tom –, embora se façam escoltar por diversos colaboradores.

Começaram por causar sensação no universo da Internet no ano passado, com dois vídeos (The heat e Platoon), mas foi até pelos espectáculos ao vivo que começaram a causar sensação. A sua música é caleidoscópica e quente. São uma espécie de Marvin Gaye para a geração dos minimalismos sonoros pós-The xx. O que resulta curioso na música dos ingleses é que é garrida e funky, mas miraculosamente nunca é nostálgica. A ser retro, é retro-futurista, com linhas de baixo pulsantes, múltiplas percussões, guitarras deformadas, teclados roufenhos e um falsete de grande eficácia.

Falar-lhes de influências não vale a pena, porque dizem sentir-se mesclados de tudo um pouco, de todas as épocas e sem distinções identitárias (Tinariwen, Chet Baker, Mos Def, Nick Drake, Bon Iver). Isto é em disco, o que é muito bom, mas contam as crónicas que ao vivo os Jungle são ainda melhores. Promete, portanto.

Em termos de estratégia de palco, a acção do inglês Aaron Jerome, ou seja SBTRKT, não difere muito da utilizada pelos Disclosure, com a utilização de bateria, sintetizadores, efeitos electrónicos e acústicos e com o habitual colaborador, Sampha, na voz e nos teclados. Ainda não existe data de lançamento para o seu segundo álbum, depois de um homónimo que data de 2011, de um sem número de remisturas e de alguns singles, mas é bem provável que hoje, no Nos Alive, venhamos a conhecer alguns temas novos.  

Outro nome aguardado é o do australiano Nicholas James Murphy, ou seja Chet Faker, que estará no Nos Alive amanhã e que se estreou este ano com o álbum Built On Glass. Enquanto outros tentam camuflar as suas inspirações, o cantor australiano assume no próprio nome a sua admiração pelo James Dean do jazz, embora apenas vagamente se pressinta a presença de Chet Baker.  

Quando se pensa nos cenários contemporâneos, tem sido comparado ao inglês James Blake e, aqui sim, as alusões fazem algum sentido, embora os seus horizontes sejam múltiplos, tanto evocando a soul como o house mais tranquila ou o jazz mais popular. A verdade é que a maior parte das suas canções se decide por entre ritmos desnudados, alguns efeitos, uma voz desafectada mas suficientemente emocionante e muito espaço. O seu álbum constituiu uma das boas estreias do ano. Atenção, pois.

Quem já não necessita de grandes apresentações é o americano Nicolas Jaar (Palco Heineken, amanhã, 2h50), que se tornou figura de culto em Portugal desde o lançamento do álbum de estreia Space Is Only Noise (2010).  Ainda recentemente, no Nos Primavera Sound, com o projecto Darkside, ao lado do multi-instrumentista Dave Harrington, mostrou o que vale, resgatando um álbum da mediania (Psychic, de 2013) para o transformar em palco, com teclados e programações, num momento de precisão electrónica. Em nome próprio é ainda melhor, com a sua música a ganhar contornos mais rítmicos do que em disco, apesar da envolvência ambiental também ter um papel fundamental nas suas apresentações.

Quem também virá apresentar novo álbum é Caribou (Palco Heineken, hoje, 3h), ou seja Dan Snaith. Our Love, assim se chama o disco, só sairá em Outubro, mas o canadiano e o seu grupo de músicos já andam a tocar os temas desse disco em palco, o que não surpreende, porque tem sido ao vivo que a sua música tem crescido imenso nos últimos anos.  

Foi principalmente depois da edição do álbum Swim (2010) que as suas performances de palco cresceram e o novo registo reflecte-o. Definidamente não se trata de um disco gravado por um músico isolado no seu estúdio pessoal, mas sim o álbum de alguém conectado com os seus colaboradores, com o público e consigo próprio, com um som orgânico, que fica tanto a dever às dinâmicas do house como à soul clássica ou ao rock menos previsível.

Outro criador solitário, com uma equipa à sua volta, que também tem travado conhecimento com os prazeres de palco nos últimos tempos é o francês Yoann Lemoine, mais conhecido por Woodkid, que irá estar no Super Bock Super Rock na próxima sexta, dia 18 (Palco Super Bock, 23h10).

Também ele tem sido presença regular nos palcos portugueses desde que lançou uma série de singles e o álbum The Golden Age, transformando-se num performer acidental. É que Yoann começou atrás das câmaras, como realizador de vídeos e de publicidade, antes de se assumir decisivamente como protagonista.

Em meia dúzia de anos, consolidou uma grande base de admiradores, embora os seus concertos não sejam consensuais. As canções pop majestosas, com muita teatralidade, algum melodrama e o tipo de empolgamento que ficaria bem em qualquer produção cinematográfica contemporânea de cariz épico tanto conduzem multidões ao delírio como têm o efeito de afastar muitos outros.

Felizmente, hoje, em qualquer festival, há quase sempre alternativas.

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