O Direito, a arte e a bandeira enforcada

O Código Penal pune o ultraje aos símbolos nacionais: a “bandeira nacional” e A Portuguesa.

Desrespeitar, injuriar, insultar, danificar, destruir publicamente. Ultrajes.

A lei deve ser interpretada. Mesmo a que parece muito clara. Nunca é. Para que serviriam os juristas? Profissionais de busca do sentido da lei. E do seu bloqueamento.

A interpretação jurídica tem regras. Não pode conduzir a um absurdo. Mesmo que a lei seja absurda. Aí, sim, se mostra o jurista. Jurista mesmo. Encontrando sentido oculto atrás das palavras. Dizem eles, o “espírito da lei…”.

Adicione-se-lhe bom senso. Como em tudo na vida. Estão aí as normas fundamentais da hermenêutica jurídica.

Respeito a Bandeira Nacional. A Portuguesa (Hino Nacional). Gosto do colorido e da música marcial. Deleito-me nas cores e canção da selecção.

As vozes entoando o hino cortado, entremeado, roufenho, onomatopeico não me perturbam. Cada qual entoa como sabe e pode. Há quem balbucie. Quem mexa os lábios. Sem som. Só mímica.

A bandeira hasteada de pés para o ar nos Paços do Concelho não me desequilibra o patriotismo. É recuperar-lhe os modos dignos de estar. Emocionam-me os milhares de bandeirinhas a esvoaçar na avenida no 25 de Abril.

Encaixo que um agente policial persiga o autor de uma obra de arte. Como a bandeira a fazer de “enforcada”. Escapa-lhe o rigor do Direito. Não tem que o ter.

O Ministério Público, com poder de acusar ou arquivar, descortinou ali um crime. De ultraje à bandeira. Acusou o artista de crime. Engordou o mapa trimestral das acusações. Estatística. É muito mais fácil: juntam-se uns factos, acrescentam-se uns artigos do Código Penal. Arquivar exige explicações, justificações. Dá mais trabalho.   

No julgamento, explicaram-lhe, pelo contraditório, que arte e crime são inconciliáveis.

Encontrou o sentido primeiro e último da norma penal: a expressão artística não é, não pode ser, um crime. É liberdade de pensamento e expressão.

O artista da “bandeira enforcada” vai esperar pela sentença que o absolverá. Um longo tempo.

 Esperar é sempre muito tempo.

O juiz vai elaborar a “sua” sentença. De páginas e páginas. A distinguir arte e crime. Apoio na doutrina e jurisprudência nacionais e estrangeiras. Com muitas citações de rodapé. Talvez até em latim. Com sorte, terá transcrições nos jornais. Espaços televisivos. Mediatiza-se.

Necessita derrubar a biblioteca jurídica.

Ocultar-se-á o crime por detrás da bandeira?

Procurador-Geral Adjunto

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