Jean-Claude Juncker vai suceder a Durão Barroso, Cameron assume e dramatiza derrota

Terceiro presidente luxemburguês da Comissão Europeia em pouco mais de 30 anos tem um “profundo conhecimento da Europa”, “fortes preocupações sociais” e é “um verdadeiro amigo de Portugal”, disse Passos Coelho.

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Jean-Claude Junker é o presidente da Comissão Europeia. Enric Vives-Rubio

Os líderes da União Europeia (UE) confirmaram esta sexta-feira a nomeação de Jean-Claude Juncker para suceder a Durão Barroso na presidência da Comissão Europeia, deixando agora ao Parlamento Europeu (PE) a responsabilidade de o confirmar numa votação prevista a 16 de Julho.

A decisão, tomada no segundo e último dia de uma cimeira europeia, constituiu uma derrota estrondosa para o primeiro ministro britânico, David Cameron que votou, vencido, contra a escolha do luxemburguês.

Com a nomeação de Juncker, o Grão-Ducado do Luxemburgo, um dos países mais pequenos da UE terá o terceiro presidente da Comissão Europeia em pouco mais de 30 anos.

Cameron, que chegou a Bruxelas totalmente isolado e sem ilusões sobre o desfecho, exigiu que a decisão fosse submetida a uma votação formal, de braço no ar, dos chefes de Estado ou de Governo dos 28. Esta foi a primeira vez que os líderes votaram desde a criação, em 1975, da “sua” instituição, o Conselho Europeu. Só Viktor Orban, o controverso primeiro ministro da Hungria, votou ao lado de Cameron, o que foi largamente insuficiente para impedir a maioria qualificada dos 28 que basta para escolher o presidente da Comissão.

A exigência da votação permitiu ao chefe do Governo britânico dramatizar a sua posição perante a sua opinião pública e aparecer como um político com ideias fortes contra a pessoa de Juncker e contra a forma como foi escolhido, que encara como uma usurpação dos poderes dos líderes por parte do Parlamento Europeu.

Londres insiste numa interpretação rígida do Tratado da UE que atribui aos líderes o poder de escolher o presidente da Comissão – a única instituição que tem o poder de apresentar propostas legislativas ao Conselho de ministros dos 28 e ao PE para aprovação, alteração ou rejeição.

Ao invés o PE insiste em que, como lhe cabe a si eleger a pessoa escolhida pelos Governos, tem de ter igualmente o poder de designar os candidatos possíveis, devendo o escolhido sair da família política mais votada nas eleições europeias (ver texto neste Destaque).

O luxemburguês fora indicado pelos partidos de centro-direita (PPE) como o seu candidato à sucessão de Durão Barroso caso ganhassem as eleições, o que veio a acontecer, levando o PE a avisar que recusaria qualquer outro candidato.

A decisão constitui “um sério erro” e marca “um dia negro para a Europa”, afirmou Cameron à imprensa. “Disse aos líderes da UE que haveriam de lamentar o novo processo de escolha do presidente da Comissão”, afirmara o líder britânico num tweet emitido durante o almoço dos 28.

François Hollande, presidente francês, considerou pelo contrário, que a escolha de Juncker respeita “a letra” e o “espírito” do Tratado, mesmo se reconheceu que esta leitura “não é fácil para alguns países”.

Cameron disse igualmente que a decisão tornará mais difícil ao seu país permanecer na UE na perspectiva de um referendo específico sobre a questão que prometeu o mais tardar em 2017.

Juncker, federalista europeu convicto, é visto em Londres como um obstáculo ao grande objectivo britânico para os próximos anos que é uma desconstrução pelo menos parcial de várias políticas comuns e um relaxamento dos laços formais entre o país e a UE.

“Quero tirar-nos da união cada vez mais estreita” entre os povos da Europa, frisou o líder britânico, referindo-se a um dos primeiros objectivos da UE inscritos nos Tratados.

“Penso que o interesse nacional britânico está em reformar a UE, realizar um referendo sobre a reforma da UE e recomendar que permaneçamos numa UE reformada”, disse ainda, considerando que este objectivo ficou agora mais difícil de atingir.

Ao invés, todos os outros líderes saudaram a decisão, aliviados pelo facto de Cameron não ter recorrido a um controverso veto, como chegou a ser referido informalmente nos últimos dias em Londres, que teria provocado uma série crise entre os Estados e entre estes e o PE.

Pedro Passos Coelho, primeiro ministro português, afirmou-se “particularmente feliz” com a decisão dos 28, considerando que a UE fica em óptimas mãos”. Juncker, afirmou Passos, é um “líder político experiente”, com um “profundo conhecimento da Europa”, a que acrescenta “fortes preocupações sociais” e é, ainda, “o que não é pouco, um verdadeiro amigo de Portugal”. Segundo Passos, o luxemburguês “conhece bem Portugal” e “não deixará, como futuro presidente da Comissão, de utilizar esse conhecimento não para discriminar positivamente Portugal mas, seguramente, não discriminar negativamente Portugal”.

A decisão dos líderes “dá à Comissão um presidente com uma grande experiência europeia e capacidade de escuta das posições dos Estados membros e do Parlamento”, afirmou igualmente a chanceler alemã, Angel Merkel.

Para o seu homólogo grego, Antonis Samaras, Juncker é um “europeu convicto que consegue fazer pontes” entre os países “mas é também um realista”.

A designação do ex-primeiro ministro do Luxemburgo pelos líderes permitirá agora ao PE proceder à sua eleição formal como previsto a 16 de Julho, por uma aliança maioritária entre os deputados do PPE, socialistas e liberais, que deverão ultrapassar largamente a maioria absoluta necessária (376 votos num total de 751).

Nesse mesmo dia, os líderes dos 28 voltarão a reunir-se em cimeira informal para preencher dois outros lugares europeus que vão vagar até ao fim do ano: presidência do Conselho Europeu e alto representante para a política externa, e que são actualmente ocupados por Herman Van Rompuy e Catherine Ashton, respectivamente.

Segundo Passos Coelho, a decisão do dia 16 incluirá ainda a presidência do eurogrupo (os ministros das finanças do euro), exercida actualmente pelo ministro holandês das finanças, Jeroen Dijsselbloem, cujo mandato termina oficialmente apenas dentro de um ano.

Depois da derrota de Cameron, os outros líderes tentaram facilitar a sua posição prometendo enfrentar as suas preocupações relativamente à UE e rever a forma como os presidentes da Comissão serão escolhidos no futuro.

A “agenda estratégica” aprovada pelos 28 com as grandes orientações políticas para os próximos anos – um documento com uma série de princípios muito gerais em que todos os países se revêem – reflecte por seu lado “o desejo britânico, que partilho, de uma UE moderna, aberta e eficaz”, afirmou Merkel. “Tenho um grande interesse em que a Grã-Bretanha permaneça membro da UE e continuarei a trabalhar nesse sentido”, afirmou.

A “agenda estratégica” inclui igualmente as reivindicações dos líderes socialistas, sobretudo o chefe do Governo italiano, Matteo Renzi, e o presidente francês no sentido de uma aplicação flexível das regras de disciplina orçamental previstas no pacto de estabilidade e crescimento, de modo a promover o crescimento económico e o emprego.

“Decidimos muito claramente que abrimos a possibilidade de utilizar o pacto da melhor forma possível (...) para criar empregos e melhorar a competitividade”, afirmou Van Rompuy, que presidiu à cimeira.

Renzi e Hollande defenderam esta flexibilidade na interpretação das regras sempre que os países em derrapagem orçamental estejam a realizar reformas estruturais das economias. “Se um país fizer reformas de forma séria, pode beneficiar da flexibilidade prevista no pacto”, congratulou-se Renzi.

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