Rodrigo da Fonseca, o pacificador do liberalismo português

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A acção política de Rodrigo da Fonseca foi decisiva para a consolidação do regime liberal, mas é uma figura que permanece desconhecida

Num regime que se caracterizava pelo sectarismo, fez carreira política sem pertencer a nenhum partido. Chamava-se Rodrigo da Fonseca e a sua biografia acaba de ser publicada por Maria de Fátima Bonifácio

 

“Não sei se está para acontecer na Europa qualquer modificação que tenha uma repercussão em Portugal semelhante à que teve a derrota da Primavera dos Povos.” A interrogação sobre a situação da Europa hoje, deixada no ar já em fim de conversa com o Ípsilon, é da historiadora Maria de Fátima Bonifácio, que acaba de lançar a obra Um Homem Singular — Biografia política de Rodrigo da Fonseca Magalhães, político que foi um “paradigma de bom-senso” e que como ministro do Reino do Marechal Saldanha, na Regeneração (1851-1856), pôs fim ao cabralismo, pacificando o liberalismo português.

A biografia agora editada pela D. Quixote é uma obra académica, mas de fácil leitura, feita com base numa aturada investigação sobre esta figura que, para muitos, é ainda hoje um desconhecido cujo nome apenas apela à memória da rua que em Lisboa perpetua a sua relevância histórica. Mas que foi um político decisivo no século XIX português, sobretudo na pacificação do país e na criação da base de acordo institucional que permitiu o desenvolvimento económico.

“Hoje fala-se em consenso, à época falava-se em transformismo, que significava fazer amigos e acordos políticos”, explica Maria de Fátima Bonifácio que, porém, afirma ser “difícil fazer um paralelo” entre a época de Rodrigo da Fonseca e o momento actual do país e da Europa. A historiadora sublinha também que o carácter “singular” de Rodrigo da Fonseca, só por si, não explica a importância da sua obra política. Ele foi, todavia, o homem certo no lugar certo, no momento exacto.

“Isto acontece também por uma razão estrutural que vai para lá de Portugal”, advoga a historiadora, explicando que “a Revolução de 1848 em Paris deu origem à II República em França e foi sucedida por uma série de revoluções por toda a Europa, que ficaram conhecidas pela Primavera dos Povos”. Ora, prossegue a historiadora, “o seu fim foi traumático para a esquerda radical e progressista, também em Portugal — onde estava representada por figuras como José Estevão e Passos Manuel —, que abandonou a ideia de que é com revolução que se gera o progresso” e passou a “apostar na evolução, sem revolução”.

Abrir a porta a Fontes

Em Portugal, “é Rodrigo da Fonseca que consegue essa pacificação através do Acto Adicional à Carta Constitucional, que formalmente permitiu à esquerda levantar a cabeça”. O Acto, de 1852, garante o acordo sobre a norma constitucional que pacifica a esquerda, ao reforçar o poder das câmaras, introduzir a eleição directa dos deputados, estabelecer a alternância no poder e abolir a pena de morte para políticos.

Depois do Acto Adicional, “a febre revolucionária deu lugar à febre do desenvolvimento”, sublinha a historiadora, frisando que “há um casamento perfeito entre a política de Rodrigo da Fonseca e o fontismo”. E justifica: “Rodrigo da Fonseca criou condições políticas que tornaram possível o desenvolvimento do fontismo. Com Fontes Pereira de Melo forma uma dupla que inicia uma época nova na História de Portugal. Saldanha teve papel importante, porque fez o pronunciamento militar que permitiu a Regeneração, mas Rodrigo e Fontes são a face de um fenómeno que não é só português.” A ligação entre os dois homens é tão grande que Fontes Pereira de Melo elogiaria duas décadas depois Rodrigo da Fonseca, de quem dizia que “ensinara à sua geração a arte da política como um combate de ideias, um jogo de concessões e um exercício de tolerância mútua”, escreve Maria de Fátima Bonifácio.

Só que, insiste a historiadora, não é possível fazer o paralelo com a actualidade, já que “não há hostilidade entre partidos desde que foi aprovada a Constituição de 1976”. Isto quando “antes da Regeneração não havia [sequer] acordo sobre a regra constitucional, portanto não havia acordo sobre o que se queria edificar”.

Por outro lado, acrescenta, “hoje as eleições são limpas, não há fraudes eleitorais”. No século XIX, “até à Regeneração, havia violência e mesmo depois [houve] fraudes”, enquanto “hoje, a legitimidade eleitoral de um Governo é muito mais forte”. E conclui: “O consenso de que se fala hoje não tem a ver com o consenso da Regeneração. A divergência era sobre a essência do regime, agora é de políticas.”

Político sem partido

Rodrigo da Fonseca Magalhães nasceu a 24 de Julho de 1787, em Condeixa-a-Nova, e faleceu em Lisboa a 11 Maio de 1858. Foi ministro do Reino sem nunca ter pertencido a nenhum partido. E Maria de Fátima Bonifácio explica que “era muito difícil ser alguém na política sem pertencer a uma facção do Parlamento”.

“Quando toda a gente funcionava por exclusão, ele funcionava por atracção. Era um congregador de pessoas”, nota a historiadora, e conseguiu “pacificar o país através de um feito absolutamente heróico”, porque “mudou a maneira de governar”: “Até aí mudavam os governos e mudavam os funcionários da administração, só os do topo tinham estabilidade e algum vínculo.”

Era, assim, “factor decisivo para ganhar eleições” o domínio da “máquina local comandada pelo governador civil”. A “actividade partidária e o Estado não se dividiam bem. Mas com ele resultou. Nas eleições, a violência praticamente desapareceu as fraudes diminuíram.”

Explicando a singularidade de Rodrigo da Fonseca, a historiadora acrescenta que, no liberalismo, “mais do que partidos havia facções, e depois de eleitas as maiorias os deputados funcionavam por si”. Era essa “a essência do funcionamento do liberalismo”. Por isso, “uma maioria parlamentar desfazia-se facilmente: os governos perdiam votações no Parlamento e a Rainha e o Rei demitiam-nos”. Nesta época “era da praxe que Governo que perdia no Parlamento uma votação importante era demitido e a Rainha ou o Rei nomeavam um outro Governo com homens de uma outra facção do Parlamento”.



Fim do “cutelo demissório”

Contrariando o funcionamento do liberalismo, “Rodrigo da Fonseca conseguiu ganhar eleições sem fazer funcionar o cutelo demissório”, sublinha Maria de Fátima Bonifácio. Um feito que surge depois de Costa Cabral ter dominado o poder em Portugal durante dez anos. Ou seja, como ministro do Reino, Rodrigo da Fonseca conseguiu mudar: “Os cabralistas quase não foram demitidos e o cabralismo autodissolveu-se”.

Esta pacificação foi o grande feito de um político que não tem nenhuma obra legislativa e administrativa de monta, sempre rejeitou benesses e títulos e dizia sobre si mesmo: “Nasci plebeu, os meus filhos hão-de morrer plebeus, e não quero outra coisa senão ser plebeu.”

A obra de Maria de Fátima Bonifácio incide sobre toda a biografia política deste homem que vive a revolução liberal em Pernambuco, no Brasil, onde estava exilado depois de ter participado na conspiração de Gomes Freire, em 1817. Regressa a Lisboa em 1822, para em 1928, com a subida de D. Miguel ao poder, ter de fugir para Londres, aí ficando ao serviço do Duque de Palmela. Regressa ao país depois do desembarque do Mindelo, em Julho de 1932. É em 1835 que integra pela primeira vez um governo, logo como ministro do Reino e já então liderado por Saldanha. Em 1836 volta ao Parlamento, onde centrou a construção da sua carreira, tendo com principal adversário Costa Cabral, feito Conde de Tomar.

Em jeito de síntese, e já na conclusão do livro, Maria de Fátima Bonifácio traça um retrato de Rodrigo da Fonseca que é por si a demonstração não só do interesse da figura, bem como de que a obra em causa nada tem de panegírico, antes representando uma clara abordagem crítica da história cuja leitura possibilita um interessante olhar sobre o século XIX português através de um dos seus protagonistas. Diz então Maria de Fátima Bonifácio: “Rodrigo era então um santo? Precisaria para isso de muito mais ingenuidade. Era um homem dotado com uma percepção muito apurada da natureza humana, que ele — a bem da pátria e da paz, é claro … — manipulava quando lhe convinha graças à sua invulgar sagacidade (…). Possuía um excepcional tacto político (…), atalhava conflitos ainda mal eles começavam a acastelar-se no horizonte (…). Aparentava simplicidade e modéstia, para que a sua superior inteligência (e erudição) não ofendessem o comum dos mortais. Tinha todavia a pele fina e o seu orgulho feria-se com facilidade.”

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