O biógrafo de Clarice Lispector vai contar-nos a vida de Susan Sontag

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Susan Sontag deixou um imenso espólio distribuído por 264 caixas.

Benjamin Moser, o biógrafo de Clarice Lispector, está a preparar uma biografia da escritora e intelectual norte-americana Susan Sontag, que morreu em 2004. Moser, um texano de 37 anos, começou a trabalhar na biografia há quase dois anos, depois de ter sido contactado pelo filho da escritora, David Rieff, pelo agente literário Andrew Wylie e pela editora Farrar, Strauss & Giroux. “Fiquei fascinado e aterrorizado”, diz ao Ípsilon por telefone, falando em português com sotaque brasileiro. Ainda por cima, a autora de Contra a Interpretação e Sobre Fotografia era notória pela sua inquietude intelectual insaciável: “Ela escrevia sobre muitas coisas. Em tudo, tinha alguma coisa para dizer. E esteve em tudo o que é lugar do mundo. É uma coisa enorme, essa vida.”

No início de Janeiro, Moser viajou até à Califórnia para mergulhar no espólio e no arquivo pessoal de Sontag, que se encontra no departamento de colecções especiais da Biblioteca Charles E. Young, na UCLA. São 264 caixas contendo manuscritos, cartas, diários, “tudo o que tem uma anotação dela (ela escrevia em qualquer pedaço de papel)”, sem esquecer os seus 17.198 e-mails — sobre essa experiência “arrepiante” e “voyeurista” que é ler os e-mails de uma pessoa morta, mesmo sob o pretexto de uma pesquisa histórica, Moser escreveu recentemente uma crónica no site da New Yorker.

“Planeei estar aqui dez semanas, pensando que era tempo suficiente”, diz Moser a partir da Califórnia. “Mas estou correndo e correndo. Cada uma das caixas pode ter mil páginas de papel. E tem de tudo. Um bilhete de cinema de 1958 em Paris, por exemplo. O arquivo da Clarice [Lispector] é muito diferente. É muito mais puramente literário. E ela não tinha e-mail.” Enquanto biógrafo autorizado, Moser tem também acesso a uma parte do espólio que só será aberta em 2029, 25 anos após a morte de Sontag.

Moser gostaria de começar a escrever neste Verão, mas avisa que “o livro vai demorar”. “Com a Sontag, uma coisa tem outras dez atrás. É complicado escrever uma biografia sobre um poeta do século XIII do qual só existem três cartas. Mas também é muito complicado quando existe muita coisa.” E, depois, para contar a vida dela, é preciso viajar porque, como notou na New Yorker, “é difícil pensar noutro influente escritor americano do século XX cuja vida fosse tão internacional”. E as viagens de Sontag não eram assim tão previsíveis — viveu em Paris, mas também encenou À Espera de Godot em Sarajevo durante a guerra. “Foi uma coisa absolutamente heróica. Ela foi para Sarajevo durante o cerco da cidade. É quase como se os morros do castelo de São Jorge e do Bairro Alto descessem sobre a Baixa de Lisboa numa invasão racista. Não era uma guerra de aviões que lançavam bombas do ar, mas de assassinatos no meio da rua.” Moser já entrevistou os actores que trabalharam com ela.

Quando o Ípsilon falou com ele, o biógrafo ia para o Arizona, onde Sontag cresceu e viveu dos cinco aos 14 anos, e depois para o Havai, onde vive a irmã da escritora. Em Abril, viajará para Nova Iorque, onde planeia ficar dois meses a fazer entrevistas. “Fiz 257 entrevistas para a biografia da Clarice”, diz. “A minha editora portuguesa deu-se ao trabalho de contar”, ri-se. “Para esta vão ser mais.”

Moser ainda não contactou Annie Leibovitz, a famosa fotógrafa de celebridades que teve uma longa relação com Sontag, por isso não sabe se ela aceitará falar com ele: “Quem sabe? Não digo sim, não digo não. Eu acho que ela vai falar comigo, sim. Porque é muito importante. Ela tem consciência disso.” 

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