Morreu Gordon Willis, o “príncipe das trevas” de O Padrinho, Manhattan e Annie Hall

Influente director de fotografia norte-americano ajudou a definir a atmosfera de um certo cinema dos anos 1970.

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Gordon Willis, à direita, com Lauren Bacall e Roger Corman em 2009 ao receber o Óscar honorário Fred Prouser/rEUTERS

Mais do que um director de fotografia, um mestre das luzes e sombras que definiu a atmosfera do cinema norte-americano da década de 1970, Gordon Willis morreu aos 82 anos. Para a memória do trabalho do homem conhecido como “o príncipe das Trevas” ficam os três filmes da saga O Padrinho, mas também inúmeros títulos de Woody Allen, de Annie Hall às sombras de Manhattan, passando também por filmes como Klute ou Os Homens do Presidente.

O seu amigo e companheiro de trabalho Doug Hart deu a notícia na sua página de Facebook na noite de domingo, sem adiantar pormenores mas assinalando assim o desaparecimento de um mestre no uso da sombra como ferramenta narrativa no cinema. “É uma perda importante”, sublinha nesta segunda-feira o presidente da Sociedade Americana de Directores de Fotografia, Richard Crudo, em declarações ao site Deadline. “Era um dos gigantes que transformaram absolutamente o aspecto dos filmes.”

O escritor Bret Easton Ellis lamentou a perda do “maior director de fotografia da América” através do Twiiter, onde também o argumentista Chris McQuarrie (Os Suspeitos do Costume) resumiu – “Ninguém mostrou mais com menos”. O trabalho de Willis inscreve-se num momento do tempo especial, o do novo cinema americano da década de 1970, em que também os directores de fotografia contribuíram para uma forma de filmar em que o ocultado valia tanto quanto o evidenciado. No negrume de um certo cinema, das temáticas aos panos de fundo, Gordon Willis escolhia não mostrar os olhos do protagonista em O Padrinho, escondendo um dos mais preciosos bens de Marlon Brando, ou filmava a preto e branco histórias de amor e neurose em Manhattan.

Como recorda a Variety, Willis era então conhecido como “príncipe das trevas” – uma alcunha dada pelo seu colega Conrad Hall, como assinala a Hollywood Reporter - pela forma como trabalhava a sombra, tendo contribuído para o aspecto e atmosfera de um dos filmes mais emblemáticos da obra de Woody Allen, Manhattan, uma fotografia a preto e branco elogiada por todos. Gordon Willis foi nomeado duas vezes para os prémios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas - por Zelig (1983), de Woody Allen, e O Padrinho: Parte III (1990), de Francis Ford Coppola – mas receberia apenas um Óscar honorário em 2009.

A crítica não esquecia o seu contributo para o trabalho de cineastas como Coppola (“uma extensão da inteligência criativa de Francis Ford Coppola” em O Padrinho, escreveu na altura a Variety) ou Allen (Manhattan foi “um dos filmes mais bem fotografados alguma vez feito… Algumas das cenas são famosas apenas por causa da iluminação de Willis”, escreveu o crítico Roger Ebert).

A Hollywood Reporter recupera entrevistas recentes de Willis em que o director de fotografia comenta as reacções, extremas, a essas escolhas. “Lembro-me de perguntar: Por que é que tem de se ver os olhos dele nessa cena?”, diz sobre Brando em O Padrinho. A resposta era “Por que é assim que se faz em Hollywood”. “Isso não é uma razão suficientemente boa”, postulou, explicando que se havia momentos em que não queriam “que o público visse o que se passava lá”, outros surgiam em que “de repente [e estalou os dedos], o deixamos perscrutar a sua alma por um bocado”. Sobre o preto e branco com Allen, foi peremptório sobre a sua cidade natal: “Sempre vi Nova Iorque como uma cidade a preto e branco”.

Trabalhou a imagem de mais de três dezenas de títulos, tendo o seu último filme sido Perigo Íntimo (1997), de Alan J. Pakula (que foi também o último filme do realizador), com Harrison Ford e Brad Pitt. Nascido em Queens, Nova Iorque, era filho de um maquilhador da Warner e cresceu interessado em cenografia e iluminação, mas a fotografia acabaria por captar a sua atenção, depois de ter trabalhado num filme rodado enquanto cumpria o serviço militar na Força Aérea na Guerra da Coreia. Foi durante a guerra que estudou fotografia e depois disso trabalhou como assistente e como operador de câmara.

Começou a sua carreira na fotografia com End of the Road (1970) e um ano depois assinava a fotografia de Klute, que deu o primeiro Óscar a Jane Fonda. O filme de Alan J. Pakula foi o primeiro de uma lista de colaboração com Willis, que trabalharia ainda com Pakula em The Parallax View – A Última Testemunha, de 1974, Os Homens do Presidente, de 1976, Uma Mulher Implacável, de 1978, Presumível Inocente, de 1990 e em Perigo Íntimo. Em 1972 estreou-se outra parceria forte no cinema, a de Willis com Coppola, com o primeiro O Padrinho a abrir caminho para o tríptico cuja fotografia sempre dirigiu. Em 1977, Annie Hall foi o seu primeiro trabalho com Woody Allen, que se repetiria em Intimidade (1978), Manhattan (1979), Recordações (1980), Comédia Sexual numa Noite de Verão (1982), Zelig, O Agente da Broadway (1984) e A Rosa Púrpura do Cairo (1985).

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